Sexualidade e mundo do trabalho
O Janeiro Branco de 2022 mobilizou a sociedade a tomar conhecimento da oficialização da Burnout como doença ocupacional. A Síndrome do Esgotamento Profissional (burnout) é descrita como “estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso” (11ª versão da Classificação Internacional de Doenças - CID-11).
A oficialização é uma resposta clara e consistente à urgente necessidade de revisão nas condições, relações e dinâmicas de trabalho. O primeiro passo sendo o reconhecimento em escala global, da existência do problema.
Cenas em preto e branco do filme Tempos modernos de Charles Chaplin não ficaram tão para trás como gostaríamos de acreditar..
Em 2023, o movimento Janeiro Branco conta com o lançamento de uma pesquisa inédita, realizada pelo Instituto Bem do Estar em parceria com a NOZ Inteligência, que investiga o tema Sexualidade e Saúde da Mente. O que será que tal pesquisa trará? Que perguntas faremos a nós mesmos, que informações vamos nos interessar por aprofundar para entender melhor?
Estou curiosa para conhecer os resultados e pensar, por exemplo, se podemos relacioná-los com o debate em torno da Síndrome do Esgotamento Profissional, ampliado a partir de sua oficialização como doença ocupacional.
O mundo do trabalho representa um dos contextos por meio dos quais participamos ativamente da sociedade, seja reproduzindo, inovando, repetindo mais do mesmo, questionando, criando, transformando. Que tal falarmos sobre o que vem sacudindo os pilares das organizações e os valores dominantes nas relações de trabalho?
É fato que hoje somos bem menos ignorantes do que no passado, porém, como estamos nos posicionando coletivamente e como os desdobramentos de uma sociedade múltipla e complexa têm sido elaborados e integrados pelo mundo do trabalho?
E se as instituições, com a capacidade de mobilização de seus grupos e influência, fizessem uma revisão sobre seus sistemas de valores que norteiam premiações e reconhecimentos e optassem por um posicionamento explicitamente inovador ao desafiar a teimosia do status quo e a demagogia da superficialidade, não mais via grupos de trabalho em iniciativas paralelas e sim como “a” estratégia e abrir largos e novos caminhos no mar da mesmice de disfunções normatizadas pela resignação (?).
Seriam vistas como um exemplo a ser seguido ou utópicas que mais cedo ou mais tarde se renderiam ao velho sistema?
Ao leitor que está se perguntando o que isso tem a ver com sexualidade agradeço ter chegado até aqui.
A pressão por dedicação integral, exclusiva e incondicional ao trabalho, a dificuldade (incluindo lidar com a culpa) de discernir limites (fronteiras), não é segredo e tem incrementado o questionamento sobre o vital equilíbrio na polaridade que nos habituamos a chamar de vida pessoal e trabalho.
O prazer resultante dos jogos de poder, que cultivam o poder por meio da sedução de uma ideia: a de estar entre os especiais, os que ultrapassaram os estreitos filtros e lugar para poucos, poderia ser entendido como um jeito de vivenciar uma sexualidade que, paradoxalmente, gera mais segregação que aproximação.
Sexualidade como expressão da liberdade de ser e de participar. A conscientização sobre preconceitos e o assédio sexual, dos sutis aos mais descarados, tem figurado entre as questões mais do que relevantes para nosso contexto cultural, ainda não plenamente internalizada, espontânea. Afinal, pouco sabemos sobre práticas ou medidas efetivas e quando acontecem, nossa reação denuncia que ainda são vistas como algo excepcional.
Paciência em excesso se torna conivência. Chega o momento em que é preciso dar voz à impaciência.
O trabalho é uma das principais vias de realização de sentido pessoal, por sua contribuição para além do interesse individual. O fenômeno do aumento de pedidos de demissão é uma mensagem clara da voz da impaciência em relação a mudanças.
Quanta riqueza podemos encontrar no potencial da polaridade mente (abstração, lógica, objetividade) e corpo (concreto, sensorial, espontâneo), quando estabelecem uma tensão criativa. Uma tensão que nos oferece oportunidades de integrar o posicionamento da formiga e o da cigarra.
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Marcia Moura
Psicóloga, curiosa por diferentes saberes e perspectivas, tem dificuldade de responder sucintamente à pergunta “o que você faz?”. Interessada por pessoas, que são um mundo que se revela a cada encontro e transformam a quem se deixa afetar. Gosta de pensar junto, criar e realizar junto, de ser par, ser parte. Há muito se dedica a cultivar sementes, sempre com a convicção de que irão, cada uma a seu tempo e no tempo possível, viver e expressar sua singularidade.
Nosso desejo sexual pode variar ao longo da vida e isso não é um problema. Dependendo da nossa rotina, da nossa saúde física e mental, da nossa idade, da nossa sensação de bem-estar, dentre outros fatores, podemos estar com maior ou menor libido, sem necessariamente ter algo de errado. Mas quando essas alterações se tornam persistentes e prejudicam a vida da pessoa, algo deve ser feito para reequilíbrio do organismo.