A homossexualidade sobre a ótica da psicanálise
Refletir sobre saúde e sexualidade não é uma tarefa simples, se o recorte for orientação sexual e performance da sexualidade pode ficar mais complicado ainda, mas nesse texto vamos abordar uma temática direta; a homossexualidade sobre a ótica da ciência que estuda o inconsciente humano, a psicanálise. Desde 1900, até mesmo antes, Sigmund Freud estuda a relevância das estruturas psíquicas no funcionamento e comportamento humano. Como respondemos aos estímulos, as possíveis consequências da relação os genitores e com a sociedade, o que nasce com o ser humano e o que pode ser adquirido e como a personalidade é formada e impactada por tudo isso são algumas das questões investigadas e dissecadas nessa ciência até hoje, sendo a sexualidade muitas vezes o assunto central em psicanálise.
Relacionar o bem estar individual e coletivo, o desempenho social e a saúde mental com a performance da sua sexualidade não é novidade na ciência do inconsciente, e nem mesmo para os cientistas e historiadores. A diversidade em expressar o desejo e experimentar o sexo por prazer ultrapassando a lógica da reprodução é uma pratica que antecede a religiosidade e até mesmo a civilização neolítica, mas, a forma como a sociedade enxergava e se relacionava com isso é cíclica e depende de vários fatores de valor cultural, social e econômico, com o passar do tempo depende principalmente das relações de poder e gênero. Em Esparta os homens iniciavam suas relações sexuais com outros homens, e depois com mulheres, já na Grécia era parte do processo de ascensão os homens mais jovens se relacionarem afetivamente e sexualmente com homens mais velhos.
Já a homossexualidade representada em um corpo feminino é representada nesse contexto há tempos por Safo, poetisa grega que viveu na Ilha de Lesbos no século V antes de Cristo, em sua existência se declarava abertamente para outras mulheres em sua arte e vida, o termo lesbianismo nasce nesse contexto. Entretanto a psicanálise freudiana se apresentou de forma controvérsia ao descrever a prática sexual entre mulheres na descrição de sua origem psíquica, mas não como algo passível de diagnósticos patológico como ocorreu em parte da história da medicina padrão, ideais que foram revistas com o tempo através dos psicanalistas posteriores.
No contexto atual, ainda encontramos muita resistência com relação a compreensão por parte da sociedade em desmistificar a diversidade sexual humana, mas nesse caso, a psicanálise e os estudos em saúde mental em outras escolas ajudaram a construir uma lógica científica que respeita e descreve a homoafetividade com o valor humano que tem.
Freud considerava a homossexualidade como uma consequência natural da bissexualidade inerente a todo ser humano, isso no contexto de orientação sexual, não de gênero. Tal ideia significa que para Freud, todos temos a habilidade inata a sentir atração sexual e obter prazer por todos os sexos, independente do sexo de quem sente o desejo, ou do sexo de quem o desejo é direcionado. Aplicando isso no contexto de gênero, a forma como você se identifica, também não é determinante sobre para onde seu desejo está direcionado. Além disso, considerava que; perseguir pessoas que sentem atração pelo mesmo sexo é injustiça e crueldade.
No século XIX tínhamos um grande pensador, um dos mais relevantes de seu tempo e fundador da psicanálise que apesar de ser um homem de seu tempo e conservador em costumes, no contexto científico, social, filosófico e político entendia a importância de nunca aderir a crueldade, o julgamento e a barbárie como ferramenta, desde então manifestando repúdio à homofobia socialmente normalizada e até mesmo aplicada como política pública. Por qual razão, até hoje, após a sociedade ter consciência ou minimamente acesso, ainda faz manutenção de uma lógica discriminatória, excludente e violenta? As respostas são diversas e complexas mas uma coisa é certeza no contexto da psicanálise; uma pessoa, ou uma sociedade que apresenta um comportamento de perturbação com a liberdade e diversidade cultural, étnica e sexual alheia está de alguma forma adoecida. No fim, sempre é a saúde e o bem estar que perde valor e fica comprometido, de quem discrimina é sintoma de alguma disfunção maior, de quem é discriminado, as fobias sociais são a causa do adoecimento.
Em resposta a uma mãe que buscava formas de cura para a homossexualidade de seu filho em 1935 Freud foi muito direto quanto a expectativa dessa pessoa ao tentar uma terapia de reversão a sexualidade, não era necessário. Lembramos aqui, que existe um contexto social importante onde na maioria das vezes os homens e maridos eram quem tomavam essas decisões e as mulheres por consequência reproduziam diversas heresias e comportamentos discriminatórios as vezes sem consciência de escolha, por isso não vamos destacar culpabilização da mãe que escreveu a Freud, mas sim a sociedade como um todo, homens e mulheres.
O papel em saúde nesse aglomerado de funções é permear a cura psíquica sem romantização, através da busca pela tranquilidade e pelo bem estar que devem ser independentes das questões de gênero e sexualidade, desde que não seja oferecer suporte a quem está em sofrimento por isso. Ter consciência sobre como o desejo e a sexualidade fazem parte de um processo importante do desenvolvimento humano individual e coletivo, sendo a diversidade um elemento de valor inestimável na sobrevivência humana que não deve jamais estar sob julgamento. Em psicanálise, consideramos a libido uma das formas que expressamos nossa pulsão de vida, elemento que permeia nossas movimentações e buscas, impulsionam energicamente para que possamos realizar as atividades e funções do dia a dia, não é somente sobre o sexo em si, é sobre identidade e a forma que o corpo deseja viver. A opressão desse funcionamento além de desnecessária como diz Freud, é passível de repúdio, sempre.
Carta de Freud para a mãe de um homossexual
19 de abril de 1935
“Minha querida Senhora,
Lendo a sua carta, deduzo que seu filho é homossexual. Chamou fortemente a minha atenção o fato de a senhora não mencionar este termo na informação que acerca dele me enviou. Poderia lhe perguntar por que razão? Não tenho dúvidas que a homossexualidade não representa uma vantagem, no entanto, também não existem motivos para se envergonhar dela, já que isso não supõe vício nem degradação alguma.
Não pode ser qualificada como uma doença e nós a consideramos como uma variante da função sexual, produto de certa interrupção no desenvolvimento sexual. Muitos homens de grande respeito da Antiguidade e Atualidade foram homossexuais, e dentre eles, alguns dos personagens de maior destaque na história como Platão, Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci, etc. É uma grande injustiça e também uma crueldade, perseguir a homossexualidade como se esta fosse um delito. Caso não acredite na minha palavra, sugiro-lhe a leitura dos livros de Havelock Ellis.
Ao me perguntar se eu posso lhe oferecer a minha ajuda, imagino que isso seja uma tentativa de indagar acerca da minha posição em relação à abolição da homossexualidade, visando substituí-la por uma heterossexualidade normal. A minha resposta é que, em termos gerais, nada parecido podemos prometer. Em certos casos conseguimos desenvolver rudimentos das tendências heterossexuais presentes em todo homossexual, embora na maioria dos casos não seja possível. A questão fundamenta-se principalmente, na qualidade e idade do sujeito, sem possibilidade de determinar o resultado do tratamento.
A análise pode fazer outra coisa pelo seu filho. Se ele estiver experimentando descontentamento por causa de milhares de conflitos e inibição em relação à sua vida social a análise poderá lhe proporcionar tranqüilidade, paz psíquica e plena eficiência, independentemente de continuar sendo homossexual ou de mudar sua condição.”
Sigmund Freud
***
João Vitor Borges
Psicólogo Clínico e Social. Escreve textos e reflexões gerais com ênfase em comportamento social e saúde mental.
Nosso desejo sexual pode variar ao longo da vida e isso não é um problema. Dependendo da nossa rotina, da nossa saúde física e mental, da nossa idade, da nossa sensação de bem-estar, dentre outros fatores, podemos estar com maior ou menor libido, sem necessariamente ter algo de errado. Mas quando essas alterações se tornam persistentes e prejudicam a vida da pessoa, algo deve ser feito para reequilíbrio do organismo.