Estar na Pele da Bruli: Página 07

Não me chame pra ser só lgbtq, me chama pra ser humana, antes de tudo.


Oie lgbtq, tudo tudo? Espero que você esteja bem e ainda bem animado, viu, gay?!. 🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈🏳️‍🌈

(contém ironia nessa saudação e em alguns lugares do texto)

(a minha boneca gay, colorida, alegre e trans é vendida separadamente)


O mês do orgulho lgbtq chegou, e com ele, é natural vermos por aí, uma onda de empresas colocando um simples arco-íris ou mero glitter nos seus sites ou nos temas de posts nas redes sociais. Junho é um mês que provavelmente muitos lgbtqs terão mais oportunidade de freelas, do tipo: “Olha só como a nossa empresa se importa com vocês, gays.” Então corra, gay e aproveite pra juntar aquela pink graninha, porque é só em junho mesmo.

E calma, não se iluda, eles não estão tão interessados assim na sua história quanto parece; talvez você seja mais um tapa-buraco de cota que eles precisam cobrir as metas ao falar sobre as lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans, ou queer (que como foi dito no programa da Patrícia Abravanel, são aquelas pessoas animadas). Não se iluda, é só pra mostrar pro mundo que eles aceitam os lgbtqs, apesar de grande parte da equipe de pessoas brancas da empresa não saberem o que significa parte das letras da sigla, ou fingir que respeitam a diversidade, mas no fundo, acham que todas as letras da sigla são sobre gays e pessoas animadas.

Eu tenho um grande desconforto interior quando vejo que chega o tempo dessas ondas e campanhas a favor de pessoas lgbtqs. E a minha pergunta genuína pra você que está lendo é, “como fazer com que essas campanhas sejam realmente efetivas?” me parece que está tudo desgastado e as lutas estão cada vez mais sendo engolidas por modismos. Como por exemplo a últma do momento: a rota de viagem do Uber ser nas cores do arco-íris. O cumulo do cumulo.

Ainda não é uma festa, ainda não é uma celebração. Muitas de nós morremos todo dia. Não sou eu que preciso resolver esse problema, só quero viver em paz, continuar viva, pagar minhas contas, cuidar das minhas gatas, estudar, me divertir, me questionar, comer bem e viver bem. 
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E agora pergunto de novo: “O que de efetivo você pode fazer?” 

Porque o que eu sinto é que essa pode ser uma experiência que prende pessoas lgbtqs e te limita a padrões: “Não estão realmente interessados, na sua maioria das vezes, na sua história realmente, só queremos cumprir meta e dizer ao mundo o quanto nos importamos com a bandeira do orgulho lgbtq, mas pra isso, você vai ter contar suas fraquezas, o quanto já sofreu enquanto lgbtq. A gente só vai comprar sua história se ela for triste. Porque é o que vende” 

Não se pode falar de qualquer outra coisa que não seja lgbtq em junho. É claro que tem marcas que realmente estão interessadas em quem você realmente é, e eu tive o privilégio de trabalhar com algumas delas, mas é quase um garimpo, como achar agulha no palheiro.

Aqui vai o meu apelo: não chamem pessoas lgbtqs pra falar como é ser lgbtq, “a gente não quer só comida”, e ao passo que contamos sobre nossos afetos, traumas, medos, vitórias, talentos, desabafos, sem necessariamente estarem atrelado ao fato de sermos lgbtq, hermeticamente, estaremos contando ao mundo como uma pessoa lgbtq vive, além dos scripts padrões lgbtq que já estão estipulados no mundo. 

Eu sou uma mulher trans, como algumas pessoas que já acompanham os meus textos por aqui devem saber. Me descobri nesse corpo há mais ou menos uns seis anos, já passei por poucas e boas. E eu tenho um asco gigante quando me chamam pra falar como é ser uma mulher trans, me dá vontade de falar: “mulher trans faz cocô e xixi como todo mundo.” Acho estranhíssimo que lutei por anos e fiz tantos movimentos internos pra me descobrir como mulher e agora o mercado de trabalho quer me dar o rótulo apenas de “mulher trans”. E sim, eu sei que eu sou uma mulher trans, fica tranquilo, mas confesso que naturalmente me esqueço disso no dia a dia, porque me vejo simplesmente como mulher, e isso me basta.

 Acho estranho quando estou conversando com alguém e a pessoa me fala algo separando a mulher cis da mulher trans. Percebe que inconscientemente ou consciente, a separação continua existindo? E vai existir enquanto não olharmos de frente para o problema. É quase como se fosse: ”te respeitamos, mas até a página b, você nunca será mulher de verdade, mas pode carregar o rótulo mulher trans, alegrar o mundo, lacrar, e correr o risco de ser assinada na próxima esquina.”
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Essas padronizações vão limitando a gente, vai sugando a energia, ainda mais quando se vive num país que mais mata pessoas trans e, ao mesmo tempo, é o país que mais consome pornografia de pessoas trans. Percebe que não sou eu que preciso resolver esse tabu? 

Outra coisa chata que sempre fazem é achar que toda lésbica, toda pessoa trans ou gay pensa exatamente igual, como se fizesse tudo parte de um único cardume. Isso é excessivo demais, e desgastante. Somos seres únicos e singulares, mas as pessoas não estão prontas pra descobrir isso, porque antes de tudo, esse é um processo e jornada de autoconhecimento interno de cada um. Só posso ler o mundo através do repertório que tenho.

Eu quero mais é ficar escondida mesmo e não contar que sou uma mulher trans aonde eu sentir que corro perigo. Não me chame pra ser só lgbtq, me chama pra ser humana, antes de tudo.
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Bruli Maria

Se declara uma cuidadora do planeta, apaixonada por gatos e multi-artista, trabalha como: atriz, dj, modelo, taróloga, micro-influenciadora e terapeuta; e agora se aventura no universo da escrita também por aqui. Mora na mata atlântica de Nazaré Paulista, o que a permite uma escuta profunda com a vida e com a natureza.

Bruli Maria

Se declara uma cuidadora do planeta, apaixonada por gatos e multi-artista, trabalha como: atriz, dj, modelo, taróloga, micro-influenciadora e terapeuta; e agora se aventura no universo da escrita também por aqui. Mora na mata atlântica de Nazaré Paulista, o que a permite uma escuta profunda com a vida e com a natureza.


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