Estar na Pele da Bruli: Página 11

A página mais íntima e desafiante que escrevi


É muito interessante parar pra pensar que sexualidade e saúde mental são aliados que andam juntos. Antes de ser convidada pra escrever sobre o tema aqui no blog eu não tinha associado de forma tão consciente que esses dois assuntos se correspondem. Eu não tinha associado muita coisa antes de escrever esse texto. Dizem que uma pessoa curadora é aquela que antes de tudo, busca a cura em si mesma antes de sair por aí nesse mundão. Por isso eu acredito que esse tema tem uma força e pode abrir a cabeça de muitas pessoas e pode nos fazer enxergar a complexidade que abarca todas essas questões desafiantes e ajudar a buscar os antídotos que a gente pode relacionar e associar na hora de colocar a mão na consciência. 

Eu fiquei um tempo estática antes de escrever esse texto e escolhi o caminho mais doloroso mas ao mesmo tempo instigante e indagante… Fiquei um tempinho em silêncio antes de descarregar tudo isso que me veio. 

Obrigada por me trazer reflexões e desafios, Instituto Bem do Estar. Talvez essa seja a página mais íntima e desafiante que escrevi.

Nos meus estudos de não dualidade, eu percebo que a nossa mente gosta de separar, né? 

De forma inconsciente eu meio que sentia que, muitas vezes, eu não queria transar porque eu não estava me sentindo bem, e agora, parar pra pensar nisso tudo, faz tudo ter mais sentido… Eu me tornei uma pessoa bem traumatizada e cristalizada quando o assunto é sexualidade, volta e meia esse assunto me visita ou eu mesma o visito em terapia. Eu me tornei uma pessoa muito bloqueada sexualmente, por conta de experiências que não foram tão permissivas ou que não tiveram meu consentimento. Outra coisa que relaciono só agora, é que no reiki a gente acaba estudando os chakras, que são pontos de energias que equilibram nosso corpo, e o coronário (da cabeça) e o básico (entre a região dos genitais) estão correlacionados nesses estudos, e se um está em desarmonia a cura se dá, na maioria das vezes, em associá-los e reequilibrá-los. Interessante que de um outro jeito esse estudo vem nos dizer que a sexualidade está mais do que nunca relacionada ao bem estar da nossa saúde mental.

Mas cá pra nós, com todo esse bombardeio de informações que anda nos perpassando nos últimos tempos, como é que a gente vai ter vontade de se relacionar sexualmente?

Eu já fui uma pessoa muito mais transante e descolada do que nos últimos anos e tenho aceitado pra mim o fato de que pra eu me interessar por alguém eu preciso ser estimulada mais mentalmente do que sexualmente: o papo precisa ser bom, precisa ter conexão e algum misero fio condutor que me deixe desejando tal indivíduo, além do sexo de fato… Se eu quiser transar por transar a cada esquina eu encontro “vários alguéns disponíveis”, mas na real, isso não me nutre, não me realiza e não me faz nem um pouco bem! Sem contar que as minhas últimas relações sexuais me trouxeram a sensação de ser objetificada ou sexualizada demais: Uma boneca transexual que os caras podem fazer o que eles bem entenderem. E isso não me faz nada bem! Numa sociedade fálica tudo parece que é sobre o pau do cara e ele esquece de olhar para o todo e além, não conseguem sair do próprio umbigo. Eu durante muito tempo me sentia obrigada a realizar os desejos de um homem, e aos poucos, graças à Deusa eu venho me libertando desse padrão e descobrindo os meus próprios prazeres numa longa e deliciosa jornada. Obrigada por tudo, vibradores.

É de extrema importância que a gente busque o bem estar, o cuidado consigo mesma, a descoberta de coisas que a gente gosta e mais do que nunca o que a gente não gosta, antes de se relacionar com o outro… É claro que isso pode acontecer em conjunto, mas muitas vezes o outro pode te sugestionar (ainda mais se for um homem cis) a fazer aquilo que só ele gosta e te usar como um instrumento, do jeitinho que ele preferir. E a gente, carente, com medo de rejeição ou medo de ficar sozinha, acaba acatando e sendo um fantoche na mão de babacas que nos usam. E isso só nos afasta de nós mesmos. Só nos afasta de descobrir nossas potências.

É uma árdua tarefa essa de se autoconhecer, cansa pra caramba, mas ao mesmo tempo, pode ser um exercício revelador dizer “não” e saber a hora de parar.

A própria internet, como um todo, está cheia de gente chata apontando regras e todo e qualquer erro que cometemos, querendo transformar tudo e todos em um “manual do que se pode ou não se pode” ou então milhares de homens babentos mandando nudes a torto e direito na sua “dm”. Exaustivo demais tudo isso. 

Enquanto isso eu também vou olhar e apontar o nosso lado enquanto mulheres, a gente vive apontando o dedo para os caras e dizendo: eles são machistas! Mas a gente, por estar muito feridas (e com razão!), malemá nos abrimos para um diálogo sincero com os homens, que por sua grande maioria também são reféns de um sistema todo e vêm seguindo um manual que venderam pra eles há milênios de como o homem deve se portar. A real é que todos nós estamos doentes e está mais do que na hora de colocar a mão na consciência mesmo. Antes da gente enlouquecer, que tomemos consciência que essa lou-CURA pode nos ajudar a nos curarmos.

As referências que eu tive de sexualidade na minha vida me foram apresentadas de um jeito muito subjetivo, escondido e até implícito. Tudo tinha a ver com punição, inferno e um deus que hoje eu nem sequer acredito nele. Por isso que quando eu cresci, precisei desbravar vários lados de uma mesma moeda de um modo um tanto que sofrido... e até hoje em dia quando eu penso em sexualidade, é algo que eu ainda preciso me rever e travar diálogos internos muito profundos comigo mesma.

Eu cresci num ambiente onde eu não fui minimamente estimulada para ter diálogos abertos sobre sexualidade. Eu fui criada na maior parte da minha vida pela minha mãe - que fez o melhor e maior que ela podia e sabia. Já meu pai foi uma pessoa quase que sempre ausente (desses que a minha mãe precisou processar pra pagar pensão).

E quando eu cresci e comecei a tomar consciência do meu próprio contorno, do meu gênero e das minhas escolhas e liberdade, eu comecei a me rebelar com todas essas vozes da minha infância que surgiam na minha cabeça, comecei a transar com deus e o mundo, na tentativa de me sentir atraente, desejada, bonita. Feminina… só que esse foi um exercício que me esgotou tanto que eu escolhi me poupar.

Eu não preciso de homem nenhum pra me legitimar enquanto mulher.

E de verdade, são raras as pessoas que se questionam para ter uma relação realmente sincera e segura com uma pessoa trans, porque sim, vai te exigir mais tempo, diálogo e cuidado nessa relação. Falando de mim, especificamente, eu sou cheia de questões, gostos, desejos e processos… e eu gosto disso, acho que como ser humano, nos foi dado essa capacidade de ser únicas e singulares; e o movimento de minimamente se questionar, e sobretudo se avaliar, se lapidar nesse mundo alucinante em que vivemos é algo libertador. Cada vez mais precisamos de pessoas que questionem sua mente, sua sexualidade, seu corpo, sua vida e seus contornos.

A grande real e conclusão que eu tiro desse texto: eu ainda não sei me relacionar afetiva e sexualmente com as pessoas, isso sempre me traz dores e feridas, mas enquanto isso eu vou buscando essa consciência e a lucidez de uma saúde mental mais equilibrada pra que um dia eu aprenda a me relacionar comigo mesma e consequentemente com o outro. Esse é o meu desejo, e que ele transborde em todas nós, pessoas queridas!

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Bruli se declara uma cuidadora do planeta e apaixonada por gatos, trabalha como atriz, modelo, criatura de conteúdo e terapeuta; e agora se aventura no universo da escrita também por aqui e em outros cantos também. Atualmente mora em São Paulo e é integrante do Teatro Oficina Uzyna Uzona.

Bruli Maria

Bruli se declara uma cuidadora do planeta e apaixonada por gatos, trabalha como atriz, modelo, criatura de conteúdo e terapeuta; e agora se aventura no universo da escrita também por aqui e em outros cantos também. Atualmente mora em São Paulo e é integrante do Teatro Oficina Uzyna Uzona.

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