Estar na Pele do Carlos: Página 08

A queda da máscara

Gente, eu preciso ser honesto com vocês: quando a Bel sugeriu que eu escrevesse sobre a "queda da máscara" e como eu me sentia sobre isso, eu achei que seria "mamão com açúcar". Fiquei até com medo de o assunto parecer batido demais, de tanto que já li, escrevi, falei e ouvi sobre o assunto. Mas, sendo ainda mais sincero, é a terceira vez que eu começo, do zero, a escrever minha opinião sobre.

O primeiro texto parecia uma carta póstuma, um epitáfio, de tão melancólico. Do tipo, "morri naquela data em que senti pela primeira vez que poderia estar contaminado". Me fez até mal reler, pra vocês seria um martírio. Olhei no espelho e disse, pra mim mesmo:

 

-       Acorda, cara. Sai deste "mood*, tá deprimente.

 

Então, o segundo, parecia um ataque histérico de alegria. Escrevi, em caixa alta O QUANTO EU ESTAVA FELIZ POR NÃO TER QUE USAR MÁSCARA. Nem terminei, voltei pro espelho e disse:

 

-       Se liga, não faz nem um ano que completávamos 600 mil mortos, tanta gente do seu lado ainda sofrendo as consequências do isolamento social, e você comemorando este ato frívolo de não cobrir mais o rosto.

 

Aí eu empaquei por dois dias, e agora, sentado aqui, me deu um estalo. É exatamente assim que eu me sinto: dividido.

Meu coração se parte entre o medo de encarar o mundo sem toda aquela casca que fui obrigado a criar pra me defender da pandemia, e a luxúria de poder me libertar dela, sem ao menos ter me contaminado.  Porque, vamos combinar, depois de alinhar todos os detalhes e passar por todos os estágios, o home office + máscara pra sair de casa criou uma sensação de falsa segurança na geral, que poderíamos continuar naquele estado de suspensão por bastante tempo. Ainda mais pra quem que, como eu, seguiu no trabalho em casa, com uma rotina muito parecida àquela da época do lockdown. Tá bem, eu me mudei pra São Caetano, do lado da minha família e não me sinto mais tão isolado do mundo, porém sigo acordando cedo, tomando meu café e assistindo o jornal, correndo, começando a trabalhar as 8:30, parando pro almoço, voltando ao trabalho, e parando às 18 pras minhas atividades da noite. O que era temporário, se tornou minha vida.

E eu nem tô reclamando, viu? Me encontrei nessa dinâmica, e agradeço todos os dias em minhas orações por ter tido o privilégio de me proteger e sair dessa ileso. Mas às vezes, parece que a ficha ainda não caiu, e eu só percebi isso quando me vi tentando convergir este mar de pensamentos em um texto para vocês.

 

Eu me lembro claramente do dia em que li que a máscara não seria mais obrigatória. Senti um frio na espinha, como se meu corpo, misturado com uma consciência quase espiritual, manifestasse um alerta vermelho. Todos os dias eu acompanho os dados do Covid19 , para ter a certeza de que estamos realmente mais seguros (obrigado vacina, viva o SUS). Porque, ainda fazendo vocês entenderem o acesso de melancolia do primeiro texto, eu tenho um medo danado de morrer e não fazer tudo que eu ainda quero fazer nesta passagem por este plano. Já foi um problema diretamente ligado à minha ansiedade, porém hoje é só uma sensação da qual eu tento correr. Não trava minha vida, mas não me sinto confortável pensando sobre. Nunca tive perdas significativas, meus pais são vivos e relativamente jovens, ainda sou bastante cru neste assunto, então passei dois anos de pandemia jogando este assunto para debaixo do tapete. Com exceção de alguns momentos, como quando tive uma dor de garganta nas primeiras semanas e surtei achando que ia morrer ou quando o Paulo Gustavo morreu (já relatei estas experiências com vocês em outro texto) eu segurei bem o rojão. Por isso não achei de bom tom basear minha experiência apenas nisso. Mas, por ter me sentido assim e por ter passado grande parte do meu isolamento criticando políticas públicas que eram contra o uso de máscara, não ia me permitir ser tão raso a ponto de começar minha crônica comemorando o fato de não usar mais um artefato que, em tese, salvou minha vida e contribuiu para salvar tantas outras. Conseguem entender meu dilema?

 

Para um cara que cresceu respirando mal por conta da rinite, usar máscara sempre foi muito difícil. Confesso que, ainda antes de cair o uso, eu tinha meu momento de liberdade da máscara quando corria pela manhã. No parque, existia quase um código de conduta definido, para pessoas que, como eu, se sentem sufocadas e sem ar ao praticar seus exercícios com a mesma: a gente usava ela baixa, e levantava quando cruzava os companheiros. Eu sei que não era o ideal, mas eu realmente não conseguia de outra forma. No entanto, ainda não me sinto à vontade em lugares muito fechados e cheios, como o supermercado. Vejo as pessoas me olhando de máscara como se eu fosse um maluco hipocondríaco, mas não tô pronto. Simples assim.

 

No meio de tudo isso, combinei com meu melhor amigo um bloquinho neste fim de semana, durante o carnaval fora de época. Achei que seria bom fazer algo que nunca poderíamos fazer na época do isolamento social. Mas sinceramente, na hora H, não tive coragem. Não ainda. E vou além: ainda me sinto um pouco ansioso em situações sociais. Nada a ponto de me fazer sair correndo e me trancar no banheiro suando, mas me pego desligando o som em volta na minha cabeça, ali mesmo onde estou, para dar uma zerada no ruído ao redor. Coisa rápida, mas que se tornou necessária quando eu realmente não tinha companhia o tempo todo.

 

A queda da máscara me confundiu tanto porque é, pra mim e pra muitas pessoas, o fim de um ciclo. A necessidade de encarar o mundo novamente, com cicatrizes profundas e muitas dúvidas a respeito do futuro. Mas é inevitável e, ao fim de toda esta jornada de perdas, incertezas e mudanças, poder falar sobre esta nova vida que se inicia com vocês, que já leram sobre todas as minhas experiências durante este processo, é realmente libertador. Sigo com minhas dúvidas e meus rompantes, porque sou humano e ansioso crônico em tratamento. Porém, o que não tenho dúvida, é de que todos nós sairemos desta pandemia mudados.

***

Carlos Stefano 

Gestor comercial, decorador, escritor e aficionado por relações humanas e suas ramificações, ele divide suas experiências na coluna Estar na Pele aqui do Bem do Estar.

Carlos Stefano

Paulista de família mineiro-italiana, casado com o Neto há 7 anos, pai de uma border collie chamada Claire, gerente comercial, decorador, aspirante a escritor, violeiro de barzinho amador, desenhista amador, hiperativo e ansioso assumido.

Acredito piamente que, sempre que eu puder dizer ou fazer algo para mudar o dia, o ano, a vida de alguém, eu faço, sem pestanejar. Sou apaixonado por relações humanas e suas ramificações, portanto compartilhar minhas experiências une estas duas aptidões, em um único objetivo: o Bem do Estar. 

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