Estar na Pele do Carlos: Página 10

Desde que comecei a escrever minhas experiências para o Bem do Estar, fico imensamente grato pelo quanto de aprendizado esta plataforma tem me trazido. Lembro exatamente desta época, no último ano, em que eu tinha este mesmo tema, porém uma extrema dificuldade para elaborar minhas ideias sobre Setembro Amarelo. Isso porque eu tenho um medo danado de morrer e não realizar as 387 metas que, como bom virginiano, carrego em uma das minhas listas mentais. E confesso que este sentimento se agravou um pouco, pois me senti relativamente “estagnado” no período da pandemia. No entanto, também ficou claro neste mesmo período o agravamento do principal motivo, mais precisamente 96,8% segundo o último relatório da OMS, das motivações suicidas: as doenças mentais.

A saúde mental é uma questão importantíssima da sociedade atual, pois um dos pilares de prevenção, diagnóstico e tratamento é o suporte emocional, e ele não precisa vir somente das pessoas mais próximas. É uma questão de saúde pública, que afeta o funcionário da sua empresa, o seu vizinho de porta, o filho da sua prima, o seu antigo colega de faculdade. Isso fora as pessoas mais próximas de você e, que na correria do dia a dia e com os tabus em torno do tema, não se sentem à vontade para falar sobre estes sentimentos com ninguém.

Como ansioso diagnosticado e em constante tratamento, minha percepção sobre esta questão mudou completamente. Isso porque eu vim de um período relativamente sombrio no período da pandemia. E embora, como eu disse acima, não tive vontade de tirar minha vida, eu também não estava fazendo muito para cuidar dela. Meu trabalho estava parado, o isolamento tirou minha energia (minha e de bilhões de pessoas no mundo todo, sente o tamanho da corrente), a ansiedade hora me fazia comer descontroladamente, hora me fazia não querer sair da cama e me fazia sentir muito sono, hora me deixava em claro com todas as questões que eu não conseguia resolver nesta prova de fogo que todos vivemos. Resultado: ganhei 25 quilos (que já perdi, contei minha experiência aqui em outro dia), alguns problemas de saúde e uma falta de vontade de seguir em frente. Como disse acima, não cheguei a pensar em interromper minha passagem por este plano, mas hoje, um ano depois de começar meu processo de cura, percebo que estava negligenciando meus sentimentos sobre o assunto.

Não é fácil falar sobre isso, e só consegui entender realmente quando sentei para escrever este texto (ontem, em cima do prazo, desculpe Bel e Mi) porque senti a mesma “trava” que senti no último ano. E, confesso, meu último texto foi cheio de clichês de apoio e frases de autoajuda, pois eu me colocava, como mecanismo de defesa mesmo, totalmente fora deste espectro da sociedade. Cheguei a fazer a mesma coisa hoje, escrevi tópicos, fiz minha pesquisa, quase como se eu não entendesse nada sobre como desistir de viver, na real. E não é bem assim.

Graças a Deus eu consegui identificar e começar a corrigir os pontos que estavam mal costurados na minha vida, mas não foi uma tarefa fácil. Acredito que nunca seja, para ninguém.

Para isso, tive que me desfazer, para me refazer. Descer do falso pedestal em que eu me colocava para finalmente, viver as dores e curar as feridas dos últimos anos.

Viver os medos, até que eles deixassem de ser tão assustadores. Me reconectei com meu corpo e com meu lugar na minha própria vida e na dos outros. Recuperei a felicidade nas coisas simples e tenho aprendido a respirar mais, com mais calma, nas horas de aflição. Tenho cuidado do meu corpo, mas não de maneira vaidosa (embora um pouco de autoestima sempre seja bem vinda no processo), mas com foco em viver todos os anos que eu quero viver com saúde, com mobilidade. Voltei pro trilho.

Mas eu tenho plena consciência de que sou uma exceção.  Tenho uma rede de apoio um pouco mais consciente sobre assuntos de saúde mental, colaborador do Bem do Estar que luta todos os dias para alcançar pessoas que vivem com doenças da mente, e sempre busquei entendimento nestes assuntos. A maioria das pessoas têm tantas lutas (as mesmas que te levam ao limite e que te fazem desistir da vida e tentar suicídio, esta é a grande ironia do assunto)  que acabam tratando a saúde mental como algo supérfluo ou secundário.

E, então, você pode se perguntar o porquê eu resolvi, finalmente, abordar estes sentimentos aqui, neste texto?

Um dos motivos é o mesmo pelo qual o Instituto, os profissionais de saúde mental e tantas outras pessoas engajadas em evitar o comportamento suicida lutam todos os dias: para que este assunto seja abordado, fuçado, relevante, latente, como ele realmente merece. Chega de normalizar um ser humano se sentir tão invisível a ponto de presumir que sua presença entre nós não é mais necessária ou, ainda pior, sua ausência não será sentida. Como espírita, eu tenho plena consciência de que cada ser deste plano tem sua importância, perante o processo evolutivo. Mas, mais do que isso, todos merecemos amor.  Precisamos levar a cura dos que se sentem assim, pelo exemplo, assim como a minha cura veio pelo exemplo e apoio de diversas pessoas ao meu redor.

E o segundo motivo é por mim, para encerrar um ciclo muito sombrio na minha vida. Eu sempre soube que esta lacuna me levaria a lugares no meu íntimo que poderiam ser perigosos, porém libertadores. Hoje, eu agradeço, pela enésima vez e sem nenhum pudor, o lugar de fala que o Bem do Estar me proporciona, esta rede de cuidado e apoio, que segue travando batalhas bravamente em prol daqueles que não entendem ou não tem forças para lutar contra os problemas psicológicos. E no meio disso, eu, que venho dividir minhas questões pessoais buscando ajudar neste alcance, tenho também a  oportunidade de curar minhas feridas e rever meus conceitos.

Se você, leitor, precisar de mim, eu estou aqui. Juntos, a gente pode muito, muito mais.


***

Carlos Stefano 

Gestor comercial, decorador, escritor e aficionado por relações humanas e suas ramificações, ele divide suas experiências na coluna Estar na Pele aqui do Bem do Estar.

Carlos Stefano

Paulista de família mineiro-italiana, casado com o Neto há 7 anos, pai de uma border collie chamada Claire, gerente comercial, decorador, aspirante a escritor, violeiro de barzinho amador, desenhista amador, hiperativo e ansioso assumido.

Acredito piamente que, sempre que eu puder dizer ou fazer algo para mudar o dia, o ano, a vida de alguém, eu faço, sem pestanejar. Sou apaixonado por relações humanas e suas ramificações, portanto compartilhar minhas experiências une estas duas aptidões, em um único objetivo: o Bem do Estar. 

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