LGBTQIA+ & NEGRITUDE – Em um contexto de violência e negação de afeto, tem como não adoecer?
Ser LGBTQIA+ é experimentar a limitação de suas potencialidades e autenticidade constantemente, tudo passa a ser hostil com seu corpo e sua forma de vida. As violências e negações de direitos básicos não param de acontecer. Já a realidade de pessoas pretas, principalmente no Brasil onde o racismo é presente em quase todas as relações interpessoais e processos institucionais, é marcada por um histórico sociocultural cruel e restritivo no contexto de ascensão social e lugares de afeto, além da intensa violência da qual a população negra é diariamente submetida.
Essas duas realidades vividas em um só corpo, tem efeitos catastróficos na saúde mental e física, o estado constante de tensão por vulnerabilidade, medo, insegurança, incertezas e assédios, leva esse corpo a um nível de estresse insuportável que potencializa o surgimento, a permanência, ou a piora de doenças mentais, físicas e psicossomáticas.
Então, é pouco provável que essa parcela da população não esteja em algum processo de adoecimento, o objetivo pode ser focado em como se recuperar e criar ferramentas de enfrentamento afim de evitar que as próximas gerações adoeçam como nós, e regressem à realidade dos que nos antecederam.
A maior dificuldade no entanto, está justamente em reconhecer esse adoecimento coletivo, diagnosticar e tratar, exatamente como qualquer processo enfermo, muitos de nós adoecem sem entender a causa específica, quando na verdade são os diversos atravessamentos racistas e LGBTfóbicos que estão na raiz das questões em saúde mental. São pílulas do cotidiano como a dificuldade e insegurança ao se relacionar, a falta de confiança nas suas potencialidades, a hesitação em se posicionar por medo da taxação e pressão do estigma, os pensamentos disfuncionais que nos silencia aos poucos, e com isso envenena o funcionamento de forma subjetiva e coletiva sem necessariamente seguir uma ordem.
Pode parecer em vão cuidar de tudo isso subjetivamente mesmo achando que não está protagonizando uma transformação social, mas não é, buscar o autoconhecimento, seja em profundas reflexões em processos terapêuticos ou se empoderando da sua narrativa, considerando que na verdade uma coisa leva a outra, é que causam transformações sociais reais, nosso corpo é político, nossa existência já exemplifica a ressignificação dos processos fóbicos, já estamos colhendo conquistas com esse método de empoderar há décadas. Mas o tanto que ainda sofremos, não tem como não considerar.
Pode parecer pessimismo, alarmismo ou drama, mas a realidade é que ser LGBTQIA+ e ser também uma pessoa preta no Brasil, país de destaque nas estatísticas mundiais de violência, é uma tarefa árdua e incansável, levando as pessoas aos extremos quando consideramos a realidade em que, segundo a revista científica pediatrics, a população LGBTQIA+ tem 6 vezes mais chances de cometer suicídio. Além disso, conforme indicado pelo Ministério da Saúde com a Universidade Federal de Brasília, pessoas pretas tem 46% a mais de chances de atentar contra a própria vida em relação as pessoas brancas, as causas, desigualdade social e exclusão. Em 2019, 124 pessoas Trans foram mortas. Do total, 121 eram travestis e mulheres transexuais e 3 homens trans. Destes, 82% foram identificados como negras de acordo o levantamento da ANTRA, seguindo então esse recorte, a população trans está como a mais vulnerável e a que mais sofre com a violência, falta de amparo familiar, afetivo, e político no Brasil.
Falando nesse recorte, fazemos parte da população que precocemente experimenta o medo da solidão, somos as pessoas que estão sempre nas últimas posições quando se trata de oportunidade, que dificilmente são prioridades tanto em escolhas para ingressar em um relacionamento amoroso quanto para uma vaga de emprego, podemos pensar que até mesmo o direito de ser proletariado está sendo negado, assim como o direito básico e fundamental de amar e ser amado permeado pelo valor da igualdade. A verdade é que sociedade civil ainda não está considerando essas pessoas como cidadãs, principalmente pessoas transsexuais e pretas. Não conseguem trabalhar com facilidade, não conseguem se desenvolver de forma saudável, muitas vezes são expulsas de suas casas por famílias que infelizmente desconsideram sua humanidade, quando não, são excluídas na convivência por aquelas famílias que não expulsam, porque hoje já conseguimos expressar com mais força o quanto isso não é mais moralmente aceitável, mas também não tratam como se fossem bem-vindas.
Sendo assim, até que ponto podemos levar o conceito de família tão a sério e tão restrita aos laços sanguíneos? A resposta é simples, até onde for seguro, saudável e acolhedor, quando não, até o ponto em que encontrar outra forma de conseguir apoio, ou seja, até quando for necessário para sobreviver.
A esperança então vem em forma de resistência, quando encontramos representatividade e rede de apoio. Alcançamos as potências pelo reconhecimento e valorização da nossa reafirmação e identificação, isso que tem causado transformações importantes no Brasil e no mundo, a referência na ancestralidade, o funcionamento em comunidade. A segurança de ser quem você essencialmente é, e quer ser, precisa começar a ser apresentada por nós, mais cedo para os próximos, quando uma criança não encontra um ambiente favorável par a experimentação de afeto, liberdade, espontaneidade, e até mesmo para brincar livremente, ela não se sente parte, atribui a si mesma culpa por ser diferente de alguma forma e limita seu próprio eu, cresce insegura, alimentando mágoas por experiências traumáticas e por consequência acaba reproduzindo tais frustrações na vida adulta.
Justamente por se sentir a margem da sociedade, deixa de funcionar em prol de sua própria comunidade, ficando muito vulnerável ao ideal hetero e eurocêntrico de que ascensão social, segurança, saúde, dignidade e afeto são abundantes, mas somente quando há apagamento de sua própria identidade, quando na verdade nós que detemos a potência de manter o funcionamento do país no contexto social, econômico e cultural.
É nesse sentido que as gerações anteriores de pessoas pretas e LGBTQIA+ no mundo todo, pavimentaram o caminho para que pudéssemos correr, elas iniciaram a construção de oportunidades e direitos civis mais amplos para nós com muito sangue e muita resistência. O fato é que precisamos multiplicar ainda mais os recursos que estamos adquirindo, além de impedir a banalização das nossas histórias, da nossa arte e diversidade, por pessoas que não tem o mesmo repertório que o nosso.
As pessoas aliadas, brancas heterossexuais e cis, precisam aprender a respeitar essas trajetórias, colaborar no compartilhamento das nossas pautas e ceder oportunidades. As que não são aliadas e insistem em atrapalhar e menosprezar nossas conquistas, precisam sentir nossa resistência com mais força e inteligência, precisam do repúdio coletivo e institucionalizado. Por intermédio da nossa atuação em diversos setores políticos, mas principalmente na legislação que precisa melhorar e ser cumprida, nós estamos ocupando cada vez mais os espaços e as instituições, estamos reduzindo a margem, ampliando o conceito de mulheridades, travestinidades, pluralidades de gêneros e condições de vida, essas estatísticas violentas precisam diminuir.
Sabemos que infelizmente ainda, em algum momento de todas essas lutas, adoecemos, perdemos a perspectiva a esperança, não é simples sobreviver, não é fácil conviver com o medo da violência, sempre ativos e ativas no modo luta e fuga, mas haverá de ser melhor dia após dia, vamos adoecer cada vez menos e nos fortalecer cada vez mais, estamos melhorando no ato de se acolher, acolher o outro e ser acolhido, estamos ressignificando as humanidades e essas transformações já são visíveis.
Contar com os iguais e aliados que não roubam o protagonismo é uma forma eficaz de transformar minimamente o seu meio, ser alguém em que os iguais podem contar é um compromisso. A busca pela cura instantânea pode ser disfuncional, e até superficial, nossa luta é profunda, dói mesmo, mas os resultados são grandiosos, estamos assumindo a posição de tornar a sociedade melhor, apontamos para progresso com a nossa pele, e com o nosso corpo, que é político.
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João Vitor Borges
Psicólogo Clínico e Social. Escreve textos e reflexões gerais com ênfase em comportamento social e saúde mental
Nosso desejo sexual pode variar ao longo da vida e isso não é um problema. Dependendo da nossa rotina, da nossa saúde física e mental, da nossa idade, da nossa sensação de bem-estar, dentre outros fatores, podemos estar com maior ou menor libido, sem necessariamente ter algo de errado. Mas quando essas alterações se tornam persistentes e prejudicam a vida da pessoa, algo deve ser feito para reequilíbrio do organismo.