Sexualidade e saúde mental
Você se lembra como e quando aprendeu sobre masturbação? Orgasmo?
Possibilidades e variantes do sexo anal? Certo, deve estar difícil, vamos pensar então quando, e de quem, você ouviu a explicação sobre “como o bebê foi parar na barriga da mamãe”? Ainda difícil de lembrar?
Mas e se te pedir para lembrar de quando você aprendeu a escrever a letra “A”, você consegue recordar? Quando leu seu primeiro livro, quando cortou seu bife com a faca sem ajuda, ou até mesmo quando aprendeu amarrar o próprio tênis? Parece que se você respondeu sim a alguma dessas três últimas perguntas, você passou pelo processo de autonomia considerado imprescindível para um desenvolvimento saudável.
Agora, se voltarmos ao primeiro parágrafo do texto, a questão é: por que não consideramos a sexualidade parte de nossas vidas? Por que não falamos abertamente sobre nossos corpos e formas de obter prazer? Por que quando chegamos da escola é um orgulho responder o que aprendemos em matemática, mas quando vamos a um encontro escondemos que tivemos a primeira relação sexual? Por que sexualidade não é um assunto que discutimos na hora do jantar? Percebe o quanto a sexualidade foi simplesmente excluída de nossas vidas? E como fica a saúde mental de uma pessoa que simplesmente exclui uma parte de sua vida?
Vamos fazer um passeio rápido pela história e compreender por que falar de sexualidade hoje ainda é proibido.
Nos primórdios a humanidade era nômade (deslocavam-se em busca de alimento – frutos, raízes e da caça) - e neste tempo a mulher era sagrada por gerar a vida. Acreditava-se que a gravidez vinha dos deuses. Quando passa de nômade a sedentária, ou seja, começa a cultivar a terra e criar animais para alimentação do grupo, o humano pôde se manter no local de moradia, observar e entender o comportamento de reprodução dos animais. Além disso também se desenvolve o sentido de posse da terra; a família é instituída e o sexo entre outros membros do grupo não é mais permitido, a fim de manter o poder e a propriedade de cada indivíduo. Neste início o sexo era tido apenas para procriação.
Com a evolução, o sexo foi tendo outros significados na sociedade, e tanto nas civilizações do Egito, quanto Grécia e Roma, a homossexualidade era uma prática comum para ambos os gêneros (feminino e masculino). Por fim, com os conceitos religiosos, todas as práticas sexuais que não tinham a finalidade da reprodução foram consideradas pecaminosas. É a partir da idade média que os homens se consideraram superiores às mulheres, o que determinou o papel sexual de cada grupo - o homem podia se satisfazer com mais de uma mulher, mas esta deveria manter-se virgem até o casamento.
Parece lógico para você que, a partir de todas as mudanças que ocorreram na história da espécie humana, a nossa sexualidade foi criada e moldada de acordo com o grupo que vivemos?
Quando falamos sobre a sexualidade não estamos falando apenas no desejo de envolvimento com outro ser humano. Antes disso, estamos falando sobre como entendemos e vivenciamos o nosso próprio corpo, os prazeres, os desejos e a realização dos mesmos.
Quanto o tabu de falar sobre sexo, sobre seu corpo, sobre a forma de ter e dar prazer esteve presente em sua vida? Quanto o grupo social inspirou seus pensamentos e sentimentos sobre a sexualidade? O que era permitido e/ou deveria ser evitado a qualquer custo?
O maior problema é que, apesar de todos os conceitos culturais e sociais acerca do sexo, ainda sentimos uma imensidão de mudanças físicas e emocionais que não foram explicadas, foram apenas proibidas.
Com esse rápido e grosseiro resumo podemos concluir que, uma pessoa impedida de vivenciar com liberdade suas experiências sexuais, dificilmente terá uma qualidade de vida sexual saudável. Provavelmente sua vida sexual será permeada por tabus, medos, incertezas e diversas outras questões baseadas não em sua vivência real, mas nas regras e estereótipos socialmente determinados.
E ainda que traga sofrimento ao indivíduo, poucos estão cientes de que podem buscar auxílio, mesmo tendo passado uma série de intempéries; dificilmente as pessoas buscam novas formas de relacionamento com sua própria sexualidade, para posteriormente se envolver com uma parceria satisfatória.
Dificuldades referentes a desejo sexual (falta ou excesso de desejo, diferenças entre motivação sexual no casal), ou à excitação (ereção ou lubrificação vaginal), problemas com o orgasmo e até mesmo dores na relação, são as principais queixas sobre dificuldades sexuais, mas na maioria das vezes, são desconsideradas pelas pessoas.
E assim mantemos a nossa sexualidade como um tabu – sem nos comunicarmos com nossos parceiros, nem com profissionais da saúde. Muitas vezes até porque desconhecemos que aquilo que acontece conosco não é “normal”, não precisa trazer sofrimento ou não tem que ser tão complicado assim.
Aproveite o momento e avalie a qualidade de sua vida sexual: é satisfatória? Não pelas parcerias, mas principalmente em relação ao seu nível de satisfação com o que tem autorizado seu corpo a fazer e a sentir. E caso tenha dúvidas, busque um profissional da área da saúde para avaliar, tanto questões físicas/orgânicas, que podem interferir diretamente, quanto questões emocionais.
A saúde mental não é a ausência de uma doença. Saúde mental é você estar bem em todos os quesitos que sejam importantes e relevantes em sua vida. E se algum deles não estiver ok, é sinal de que sua saúde mental pode estar prejudicada.
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Erika Scandalo
Especialista em Psicologia Clínica Comportamental, produz conteúdo sobre a vida e como aproveitá-la de diferentes formas. Acredita que a felicidade é consequência de uma visão proativa sobre as dificuldades. Ser feliz é mais um olhar sobre o que se é, do que ter tudo o que se quer.
Nosso desejo sexual pode variar ao longo da vida e isso não é um problema. Dependendo da nossa rotina, da nossa saúde física e mental, da nossa idade, da nossa sensação de bem-estar, dentre outros fatores, podemos estar com maior ou menor libido, sem necessariamente ter algo de errado. Mas quando essas alterações se tornam persistentes e prejudicam a vida da pessoa, algo deve ser feito para reequilíbrio do organismo.