Mudanças climáticas e saúde mental: o impacto que sentimos no corpo e na mente

2024 foi o ano mais quente já registrado no Brasil. No mesmo ano, a extensão do gelo marinho na Antártida atingiu um dos níveis mais baixos pelo terceiro ano consecutivo. Em relação a 2023 tivemos um aumento de 46% nos números de focos de incêndios. Com o aumento da temperatura no planeta, os furacões estão mais intensos e destrutivos. Também em 2024, registramos o período mais seco dos últimos 44 anos fazendo rios desaparecer da paisagem. E não dá pra esquecer da grande tragédia no Rio Grande do Sul, onde o estado sofreu com chuvas, enchentes e enxurradas atingindo 478 dos 497 municípios gaúchos, afetando 2,4 milhões de pessoas, mais de um quinto da população local, deixando mais de 4 mil desalojados, 173 mortos e 38 desaparecidos. 

Foto: Matt Palmer / Unsplash

Cada vez mais podemos observar e sentir os impactos gerados por consequência das mudanças climáticas. Alterações nos ecossistemas, perda de biodiversidade, impactos na economia, prejuízos na agricultura, escassez de alimentos e água potável e epidemias  comprometem a nossa saúde física e mental. 

Recentemente, a ONU publicou um relatório observando que os casos de problemas de saúde mental são resultantes de condições climáticas extremas e do aumento das temperaturas. Segundo a organização, o apoio à saúde mental deve ser incluído nas respostas nacionais às mudanças climáticas. 

Diante desse cenário, estamos cada vez mais inseguros, com medo, traumatizados e mais sujeitos a desenvolver transtornos mentais tais como: Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), Eco Ansiedade, Depressão, Transtornos de Adaptabilidade e Ajustamento e Luto após desastres naturais.

Nos últimos quatro ou cinco anos, como os impactos da mudança climática se tornaram menos abstratos e mais reais, a eco ansiedade passou a afetar pessoas que estavam muito preocupadas com o meio ambiente.
— Thomas Doherty, psicólogo especializado em mudança climática

Segundo Maria Neira, diretora do Departamento de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Saúde da OMS, "os impactos das mudanças climáticas fazem cada vez mais parte do nosso cotidiano, e há muito pouco apoio dedicado à saúde mental disponível para as pessoas e comunidades que lidam com perigos relacionados ao clima e riscos de longo prazo".

Estudos mostram também que as altas temperaturas tem impacto direto com o aumento da violência e taxas de suicídio. De acordo com a pesquisa, se o aumento da temperatura projetado até 2050 for confirmado, somente nos Estados Unidos e México 21 mil pessoas podem tirar a própria vida. Segundo Burke, “Quando se fala em mudança climática, geralmente é fácil pensar em abstrações. Mas os milhares de suicídios adicionais que provavelmente ocorrerão como resultado da mudança climática não mitigada não são apenas um número, eles representam perdas trágicas para famílias em todo o país ”.

Para Solomon Hsiang, professor da Universidade da Califórnia, “Estamos estudando os efeitos do aquecimento no conflito e na violência há anos e descobrimos que as pessoas brigam mais quando está quente. Agora vemos que, além de ferir os outros, alguns indivíduos se machucam. Parece que o calor afeta profundamente a mente humana e como decidimos causar danos ”.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem levantado a necessidade dos países inserirem a saúde mental em suas respostas políticas às mudanças climáticas. Segundo um levantamento realizado com 95 países, somente nove incluíram saúde mental e apoio psicossocial nos planos nacionais de saúde e mudanças climáticas. A organização destaca que a saúde mental deve ser abordada em todos os níveis, desde a prevenção até o tratamento, especialmente em áreas vulneráveis.


Segundo Dévora Kestel, diretora do Departamento de Saúde Mental e Uso de Substâncias da OMS, "Há quase um bilhão de pessoas vivendo com problemas de saúde mental, no entanto, em países de baixa e média renda, três em cada quatro não têm acesso aos serviços necessários. Ao aumentar o apoio à saúde mental e psicossocial no âmbito da redução do risco de desastres e da ação climática, os países podem fazer mais para ajudar a proteger aqueles que estão em maior risco".


No entanto, alguns países já tomam medidas para abordar os impactos psicológicos das mudanças climáticas, como nas Ilhas do Pacífico, África Subsaariana e Caribe, lugares frequentemente afetados por desastres naturais como furacões, inundações e incêndios florestais, oferecendo assistência psicológica de emergência visando reduzir os efeitos de traumas, estresse pós-traumático (TEPT) e outras condições psicológicas. 

Em países como o Reino Unido, Canadá e Austrália, programas educacionais e campanhas de conscientização têm sido lançados para lidar com a eco ansiedade, investindo em estudos sobre o assunto e como políticas públicas podem reduzir esses efeitos.

Apesar dos pequenos avanços, muitos países ainda enfrentam desafios em integrar adequadamente a saúde mental nas políticas climáticas. Falta de recursos financeiros, infraestrutura e a falta de formação específica para profissionais de saúde em contextos climáticos são questões que dificultam uma resposta ampla e eficaz. O esforço deve ser global e coordenado para que possamos enfrentar as grandes ameaças que as mudanças climáticas impõem à saúde mental mundial.




Saúde Mental: transtornos, sintomas e contexto

Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT)

Sintomas: reviver o evento traumático, reações emocionais intensas, alterações de humor, evitações, perda de interesse em atividades que antes eram prazerosas, dores físicas inexplicáveis, desconfiança excessiva, pesadelos, hipervigilância, dificuldade para se concentrar e distúrbios do sono.

Contexto: muitas pessoas que experienciam eventos climáticos extremos podem desenvolver TEPT devido ao trauma vivido, como a perda de entes queridos, casas, bens materiais ou a destruição de sua comunidade. A recuperação emocional dessas pessoas pode ser longa e difícil.


Eco Ansiedade

Sintomas: preocupação constante com o futuro do planeta, sensação de desespero, medo de catástrofes ambientais, sensação de impotência diante da crise climática, tristeza, ataques de pânico, evitações, irritabilidade e distúrbios do sono.

Contexto: medo ou preocupação excessiva com os efeitos das mudanças climáticas, como o aumento da temperatura global, secas, eventos climáticos extremos e o impacto na sobrevivência do planeta.


Depressão

Sintomas: sentimentos de tristeza profunda, desespero, perda de interesse nas atividades cotidianas, fadiga, insônia ou hipersônia, alterações no apetite.

Contexto: perda de recursos, como habitação, meios de subsistência (agricultura, pesca), segurança alimentar e o aumento da pobreza, além de sentir-se impotente frente à crise climática, dificuldade financeira.


Transtornos de Adaptabilidade e Ajustamento

Contexto: deslocamento forçado (refugiados climáticos) e a perda de raízes culturais.

Sintomas: dificuldade em lidar com mudanças drásticas e a adaptação a novos ambientes ou modos de vida, desorientação, tristeza, falta de propósito. 


Luto após desastres naturais

Contexto: envolve a perda de vida, propriedade, memórias e até mesmo identidade.

Sintomas: tristeza, negação, culpa, arrependimento, medo, raiva, fadiga, distúrbios do sono, mudanças no apetite, dores corporais, confusão, sensação de vazio, isolamento.



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Ricardo Milito

Diretor Científico do Instituto Bem do Estar. Psicólogo e administrador com experiência no segmento organizacional e projetos sociais. Curioso, observador e disposto a ajudar as pessoas buscarem respostas para suas questões. Acredita no potencial do ser humano.

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