O PLANETA PRECISA DE NÓS

Reflexões sobre a crise climática e a qualidade dos relacionamentos

Você já parou para pensar sobre como as mudanças climáticas podem afetar o nosso humor e até mesmo desencadear transtornos relacionais? 

Parece exagero, mas, na verdade, é uma constatação científica: as oscilações climáticas impactam diretamente tanto na saúde do nosso corpo quanto da nossa mente e isto se reflete especialmente na forma como nos relacionamos.

Um breve exemplo da mudança de comportamento imediato é que com o calor extremo podemos nos sentir mais irritados, impacientes, vide a intolerância no trânsito nas grandes cidades em dias mais quentes.

Quanto a isso, estudos mostram que o aumento das temperaturas está associado a maior irritabilidade, cansaço e desregulação emocional, o que, por sua vez, pode resultar em agressividade, afetando nossos relacionamentos e ampliando os sintomas de ansiedade e depressão. 

Nesta linha, os pesquisadores afirmam que fenômenos climáticos prolongados podem gerar transtornos emocionais mais sutis e mais duradouros. 

Diante dos desastres naturais, como as recentes enchentes no Rio Grande do Sul ou as queimadas no Pantanal, que provocaram mudanças drásticas na vida das pessoas (a perda de casas, a morte de entes queridos e animais e a insegurança alimentar), lida-se com o desespero que, além do sofrimento físico, traz consigo um impacto emocional profundo. A dor e a incerteza geradas por esses eventos podem se manifestar em insônia, pânico, depressão e outros distúrbios psicológicos mais intensos e severos.

O agravamento da crise climática tem aumentado o risco de adoecimentos psíquicos e, com justificativa, a degradação ambiental deixou de ser um tema exclusivo de ambientalistas, e se tornou uma preocupação central também para os profissionais de saúde.

Exatamente como recurso de saúde, em meio ao cenário desafiador enfrentado globalmente, temos a possibilidade de vislumbrar alternativas para enxergar os relacionamentos humanos como potência da conexão entre as pessoas, comprovando que o apoio comunitário é um  “remédio” para a saúde física e mental. Ter pessoas ao nosso lado, para compartilhar medos, ansiedades e preocupações é vital para lidar com o sofrimento emocional causado pelas mudanças climáticas. O fortalecimento dos laços afetivos, tanto no âmbito familiar quanto nas comunidades, pode ser a chave para enfrentar momentos turbulentos.

Pois, quando nos unimos para apoiar uns aos outros e para agir em conjunto em busca de soluções para os problemas ambientais, encontramos um propósito que traz alívio e senso de pertencimento. Atividades coletivas como o engajamento em projetos ambientais e o compartilhamento de práticas sustentáveis, não apenas ajudam o planeta, mas também promovem a saúde mental, fortalecendo a sensação de que podemos, juntos, enfrentar os problemas que o clima nos apresenta.

A solidariedade, a colaboração e a responsabilidade compartilhada são fontes de empoderamento, que geram o otimismo necessário para resistirmos à fúria da natureza. Além disso, as conexões criam um terreno fértil para mudanças nas estruturas sociais, políticas e econômicas que, muitas vezes, alimentam a degradação ambiental. 

Portanto, é através da qualidade dos nossos relacionamentos que encontraremos forças para enfrentar esses desafios. A conexão entre as pessoas, tanto no aspecto emocional quanto na ação coletiva, é forma segura para construção de futuros sustentáveis, resilientes e saudáveis. 

Porém, não precisamos esperar a “tempestade” para fortalecer nossas conexões, não é?

Aproveitando que estamos falando sob o prisma da saúde, é importante reforçar o conceito da prevenção do adoecimento e da promoção de ambientes saudáveis.

A comunicação interpessoal desempenha um papel fundamental no cuidado coletivo, pois é através das interações humanas que podemos expressar, entender e compartilhar nossas emoções, preocupações e desafios. Ou seja, a qualidade das nossas relações torna-se o atributo para fortalecimento do bem-estar e para prevenção do sofrimento emocional. Se nos habituarmos a cuidar das nossas relações, teremos maiores chances de encontrar conforto em tempos difíceis.

Podemos comparar à prática de exercício físico que mantem a firmeza e a agilidade do corpo; nossas habilidades relacionais também precisam de nutrição e constância para garantir nossa sustentação emocional e sim, construir relações saudáveis e conexões verdadeiras é um dos pilares fundamentais para o bem-estar emocional coletivo.

Atitudes relativamente simples compõem o “treino social” e podem fazer diferença numa eventual experiência traumática, tais como:

Expressão e Validação Emocional: Quando nos sentimos ouvidos e compreendidos, abrimos espaço para que as pessoas possam expressar suas emoções de forma aberta e honesta. 

A escuta sem julgamentos e os sentimentos reconhecidos aliviam tensões emocionais. Isso é especialmente importante em momentos de angústia, ansiedade ou tristeza, quando o ato de compartilhar se mostra um cuidado afetivo.

Criação de Redes de Apoio: Relações interpessoais saudáveis criam redes de apoio que são vitais para a saúde. Ter amigos, familiares ou colegas com quem se pode contar em momentos fáceis e difíceis ajuda a diminuir o estresse e a ansiedade. 

Promoção da Empatia: A comunicação interpessoal permite que as pessoas pratiquem a empatia, ou seja, a capacidade de entender e sensibilizar-se ao que o outro está vivenciando. 

Prevenção do Isolamento Social: A comunicação interpessoal fortalece os laços sociais e evita que as pessoas se sintam sozinhas. O simples ato de manter contato, seja por conversas regulares, apoio emocional ou pequenas interações diárias, pode melhorar o humor e criar um senso de pertencimento. Esse suporte é crucial em tempos de catástrofes climáticas.

Resolução de Conflitos: A boa comunicação também é essencial para resolver conflitos de maneira saudável. A falta de habilidade para lidar com desentendimentos pode gerar tensões, estresse e afetar negativamente o estado emocional das pessoas envolvidas. Ao aprender a se comunicar de forma assertiva, respeitosa e empática, é possível reduzir os impactos negativos dos conflitos e melhorar as relações.

A conclusão pode ser óbvia, no entanto, é necessário que seja verbalizada por nós que vivemos há tempos a “cultura do eu” - individualista, egocêntrica e da ilusória independência. Nós somos o planeta que precisa de nós. Somos seres essencialmente sociais e interdependentes, por isso, é nosso dever cuidar das nossas relações e agir a favor da Terra. Afinal, não existe ecologia sem gente, nem sustentabilidade sem bons relacionamentos.


***

Daniela Cais

TEDx Speaker, Palestrante e Designer de Relações Profissionais.

Instituto Bem do Estar

Queremos gerar conhecimento aplicável sobre a saúde da mente


https://www.bemdoestar.org/
Anterior
Anterior

Mudanças climáticas, existência e saúde mental

Próximo
Próximo

Mudanças climáticas e saúde mental: o impacto que sentimos no corpo e na mente