A Saúde Mental No Diagnóstico De Pessoa Com Deficiência - Um Breve Parecer Sobre o Ceratocone.
A maioria dos processos diagnósticos em saúde, principalmente no contexto de progressão de doenças, envolvem o luto. O sentimento de perda irreversível geralmente emerge ao passo em que muitas expectativas pessoais somem no nível de consciência, ou seja, “morrem” no momento do diagnóstico e diversas incertezas se instalam no lugar, essa troca repentina de projeções positivas e comuns para projeções negativas como a de que há uma redução de suas capacidades, pode gerar grande volume de angústia. Ouvir de um profissional de saúde que você é uma pessoa com deficiência, ou seja, PCD, pode ser catalizador de muitos gatilhos, o nosso senso de saúde muda radicalmente no anúncio dessa condição e consequentemente a forma como pensamos a finitude também. É nesse período que pode se ter a impressão de estar entre a cruz e a espada, lidando com ideia de invalidez ou morte, caindo na armadilha de reduzir toda a sua existência, quem você é no mundo, ao diagnóstico, restringindo as próprias potencialidades e perspectivas de futuro a doença recentemente anunciada.
Pensando em quem já nasce como PCD, podemos pensar que existe certa crença por parte da sociedade de que; por ser inata, a deficiência passa por um processo de normalização para o indivíduo, ou seja, acredita-se que para a pessoa é comum, ou mais fácil de lidar por já ter nascido assim. Tal ideia não deve significar que não exista o sentimento de luto frente ao diagnóstico, em vista de que além da sociedade em geral ser hostil no contexto de acessibilidade, o luto pode se apresentar precocemente no núcleo familiar até mesmo durante a gestação. Para a PCD tal sensação de perda ou desvantagem pode surgir como consequência do processo familiar com a doença anunciada, ou na interação com pessoas que não possuem deficiências. Se deparar com tal diferença já entre o próprio grupo familiar, berço do capacitismo na vivência de muitas pessoas com deficiência, é o suficiente para justificar a existência do mesmo sentimento de desvantagem de quem é diagnosticado em algum momento da vida, mesmo que partindo de uma relação mais adaptativa e diferente com o diagnóstico desde o seu nascimento.
Muitos são os diagnósticos que se encaixam nessas descrições, de acordo com os dados do IBGE em 2019 por exemplo, 8,4% da população brasileira, ou seja, cerca de 14 milhões de pessoas acima de 2 anos de idade, possuem algum tipo de deficiência. Entretanto, algumas doenças podem ser mais confusas do que outras quanto a informações, características, etiologia, tratamento e prognóstico. Geralmente por não serem tão conhecidas e pouco difundidas no cotidiano coletivo quanto mais incomum a doença, maior pode ser o comprometimento da saúde física e mental, e maior a vulnerabilidade ao capacitismo.
Como exemplo de prejuízo a saúde física e mental por desconhecimento e diagnóstico tardio, temos o ceratocone como uma das muitas doenças invisibilizadas pelo contestável status de rara, pela falta da difusão das informações e pelo difícil acesso e engajamento a saúde oftalmológica que persiste no país. O Ceratocone apresenta-se como uma doença crônica que deforma gradativamente a córnea (camada transparente dos olhos), dificultando a captação correta da luz o que acaba deturpando, distorcendo e prejudicando a visão, isso inclui como possíveis sintomas o embaçamento permanente da visão, formação de halos em volta das luzes, fotofobia, visão duplicada, irritabilidade entre outros sintomas, geralmente atinge os dois olhos de forma assimétrica.
Seu nome se dá pela degeneração do formato da córnea, que conforme a doença avança vai ficando pontuda, triangular semelhante a um cone, esse pode ser o sintoma que mais cause susto e estranheza, geralmente é nesse estágio que se descobre, pois em muitos casos as pessoas podem acreditar que se trata de graus oculares, e não realizam consultas oftalmológicas recorrendo diretamente as óticas para utilizar óculos, quando na verdade a doença não tem relação direta com miopia ou astigmatismo apesar do processo diagnóstico mapear tais condições (Associação Brasileira de Oftalmologia, 2019).
Apesar de se saber que é uma condição diagnóstica crônica, a origem de fato é desconhecida, especula-se que pode surgir de uma combinação entre a pré-disposição genética e as ações cotidianas como coceiras, ataques alérgicos, acidentes com produtos químicos, contato excessivo com vapor e entre outras atitudes que geram micro agressões na região dos olhos. Estima-se que que 1 a cada 2 mil pessoas em média no mundo tem ceratocone e segundo o Ministério da Saúde cerca de 150 mil pessoas são diagnosticadas com ceratocone no Brasil, e o transplante de córnea é responsável por 13 dos 23 mil transplantes realizados no país. Ainda assim a legislação brasileira ainda não acolhe completamente a pessoa com ceratocone, mais um fator que aumenta a sensação de desamparo (Associação Brasileira de Oftalmologia, 2019).
Somente quando a doença está avançando muito, o diagnóstico de baixa visão por ceratocone é o que coloca na condição de pessoa com deficiência, o fato é que, quando alguém recebe esse diagnóstico, na maioria das vezes não faz ideia do que isso pode significar, mal sabe dizer o nome da doença, o que ser pessoa com deficiência significa e os questionamentos podem ser os mais angustiantes possíveis, além de tudo isso o processo diagnóstico pode passar por negação e revolta (sentimentos presentes nas fases do luto). De repente, a pessoa não está mais em uma posição de ter empatia por alguém com deficiência, ela possui uma. Daí em diante é constantemente colocada frente ao seu diagnóstico, a vida vai apresentado os desafios e agora a pessoa tem consciência de sua condição, pode ser muito assustador e difícil, mas é diariamente que vai construindo repertório para lidar com tal inferência. Apesar de todo o medo que pode se instalar, é importante lidar com tudo da forma mais concreta possível sem deixar de ser orgânico.
Para qualquer processo diagnóstico, se o objetivo é não prejudicar sua saúde mental, algumas ações de saúde podem ser combinadas e assim construírem a melhor maneira de lidar com os sentimentos e pensamentos difíceis que podem ser catalizadores ou resultados de transtornos, diminuindo a chance de ficarmos expostos as doenças mentais com características hospedeiras, como ansiedade, pânico ou depressão. Coisas que podem fazer a diferença são; contar com rede de apoio, manter a calma e confiar na ciência médica, fazer terapia e buscar levar uma vida mais saudável, aproveitar a oportunidade para olhar para si com mais cuidado, buscar o autoconhecimento afim de evitar as armadilhas dos pensamentos disfuncionais, não duvidar da sua capacidade de ressignificar e superar os desafios do diagnóstico. Não há romantismo nisso, e sim resistência.
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João Vitor Borges
Psicólogo Clínico e Social. Escreve textos e reflexões gerais com ênfase em comportamento social e saúde mental
Nosso desejo sexual pode variar ao longo da vida e isso não é um problema. Dependendo da nossa rotina, da nossa saúde física e mental, da nossa idade, da nossa sensação de bem-estar, dentre outros fatores, podemos estar com maior ou menor libido, sem necessariamente ter algo de errado. Mas quando essas alterações se tornam persistentes e prejudicam a vida da pessoa, algo deve ser feito para reequilíbrio do organismo.