Ecos do Estar: Algo mais do que choques e fricções por Bruli Maria

Foto: Bruli Maria

Chegou uma notificação no celular de Laura! Ela tinha dado match com Lucas.

Desbloqueou o telefone e foi relembrar quem era ele: “ai, o moço bonito dos sonhos, praticamente um príncipe da Disney.”

Ela, por si só, também era a moça dos sonhos de muitos homens, muito bonita com cabelos longos escuros e pele fina clara. Mas passara a vida toda enjoada escutando isso de que a enxergavam apenas bonita e nada mais. E por fim ela mesma se esquecia do seu tudo mais e tinha uma estima mal estimada.

Buscava algo maneiro de se viver, um parceiro pra se espelhar e aprender a se relacionar de um jeito que ainda não conhecia, do jeito que as amigas feministas falavam que estavam vivendo um relacionamento, esse amor calmo, brando, respeitoso etcetera e tal… Era essa a sua busca, por mais que houvessem algumas ilusões e projeções dos seus últimos relacionamentos que ainda estavam mal resolvidas, e conscientemente ela sabia disso.

Laura lembrava com muita veemência das falas de Carlos, seu ex-namorado, dizendo que ela era “louca” e que “ninguém iria amá-la como ele a amava”. 

Mas por que raios ele a traiu então?


Nessa jornada descobriu que precisava se testar, explorar nos cardápios de match alguém que minimamente a desejasse, que mostrasse a ela mesma o seu valor, para se sentir alguma outra coisa que ela ainda não conhecia. Tudo isso era para se redescobrir, e para mandar as palavras do ex para as masmorras.

Queria se sentir desejada e provar pra si mesma que não era louca não; que as outras pessoas também se interessariam por quem ela é!

E a possibilidade de Lucas ser aparentemente um bom partido a fez pensar em dar uma chance pra ele. Mandou uma mensagenzinha e nessa começaram a conversar…

Laura há tempos se via cansada dos clichês de histórias que se repetiam na sua vida, mas percebia que ela precisava de algumas curas que só poderiam ser aprendidas se relacionando mesmo, tanto consigo mesma quanto com os parceiros que apareciam na sua vida.

Sabia que era bonita sim, mas estava ferida também, e precisava ser cultuada nessa insana cilada que os seres humanos entram de vez em quando - uma espécie de ego trip narcisista na triste e falsa ideia de que conseguiria se encontrar.

Eu mesma já precisei entrar nesse lugar de deusa, mas graças à deusa, me libertei!


Lucas começou a ser legal e pá, e começou a tratá-la como uma deusa mesmo, dizia o quanto ela era especial, “uma conexão de alma”... em apenas dois dias de conversa e ele dizia isso, caras leitoras rs, como pode? Mas obviamente começaram a rolar algumas faíscas depois que os dois se encontraram e transaram. A sensação que ela tinha é de que tinha dado o que ele queria e agora não havia mais nada para dar, ele não lhe deu mais nada, não tinha interesse, mal respondia as mensagens direito e já não nada mais…

No fundo parecia que ela sabia que tudo isso ia acontecer, e o pior, sem motivo aparente, apenas pela ego trip dos dois. O lance de darem like como quem escolhe o próximo prato do ifood, e depois de uma foda, nada mais se desenvolvia. Bem líquido. Bem raso. Choques corporais e nada além de fricções!

Mas antes disso, ela o descascou. Incorporou nele o arquétipo de tudo o que já havia sofrido de machismo nas suas outras relações. E claramente, discutiram feio e se bloquearam.

Sentada, chorando, lembrou-se que ninguém era o centro do universo e que assim a sua experiência tornava-se mais interessante e real, por mais que doesse. Às vezes a dor muda você. E naquela poltrona, Laura foi colhendo insights que nasciam na fonte das suas lágrimas. Se perdoou e perdoou eles também.

Foi percebendo com isso que um dia estranho pode reverberar em novas possibilidades de caminhos desconhecidos. É aquele famoso e velho clichê de “confiar no desconforto”, porque nele aponta-se que algo não está bem. E há sempre de surgir um novo jeito de se relacionar com a vida.

Nessa trip, a descoberta de se olhar com mais carinho é como uma das saídas que se torna presente e um presente mesmo!

Laura se abraçou ali mesmo, aos prantos, mesmo se sentindo rejeitada, pegou nos braços a sua mulheridade que chorava, se feria pra depois se curar.

     - Por quê que mesmo com todos os sinais, que só agora ficam claros, eu ainda caio nas mesmas ciladas? Por que os sinais só ficam claros depois que eu sofro as burras consequências?

E ali entre palavras engasgadas e uma catarse, entrou num embalo, na busca em si mesma para descobrir as respostas dessas perguntas… Havia muito material para se observar, ela havia descoberto sua pepita de ouro.

Por volta das três da madrugada descobriu que mesmo que o amor a destruísse dezenas de vezes, estaria disposta mais de cem vezes para amar. Se disponibilizou a passar um tempo sozinha para descobrir melhor os fragmentos de suas potências, a sua capacidade de amar e na sua verdade que pulsa na procura da própria história.

Fez consigo um acordo de se interessar por si só, pelo menos por enquanto, por quem ela é, de fato! 

Deletou os apps de relacionamentos e mandou pra aquele lugar as fricções. 

Fechou a janela que dava vista para o trânsito e barulho caótico de São Paulo e colocou uma folhinha de manjericão no sutiã. 

Foi dormir porque nessa novos dias haviam de começar na sua vida.

***

Bruli Maria

Se declara uma cuidadora do planeta, apaixonada por gatos e multi-artista, trabalha como: atriz, dj, modelo, taróloga, micro-influenciadora e terapeuta; e agora se aventura no universo da escrita também por aqui. Mora na mata atlântica de Nazaré Paulista, o que a permite uma escuta profunda com a vida e com a natureza.

Bruli Maria

Bruli se declara uma cuidadora do planeta e apaixonada por gatos, trabalha como atriz, modelo, criatura de conteúdo e terapeuta; e agora se aventura no universo da escrita também por aqui e em outros cantos também. Atualmente mora em São Paulo e é integrante do Teatro Oficina Uzyna Uzona.

https://www.instagram.com/criaturadeconteudo/
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