Encontrar o outro sem descuidar das nossas fronteiras

Foto: Juan Moyano / Canva

Atualmente muito se fala sobre empatia, escuta empática e para que possamos alcançar seu melhor objetivo é importante termos clareza do que esse “ser empático” significa para que não se torne um caminho de desconexão de nós mesmas, um descuido ou, eventualmente, uma nova forma de opressão.

“Ser empático é ver o mundo com os olhos do outro e não ver o nosso mundo refletido nos olhos dele” – ensina Carl Rogers. Podemos, a partir disso, dizer que oferecer empatia a outra pessoa é buscar abrir espaço dentro de nós para compreender como determinada experiência afeta essa pessoa, reduzindo nossos julgamentos da melhor forma possível.

Na prática da empatia percorremos algumas camadas para adentrar ao mundo interno do outro até encontrar o que é importante para essa pessoa. Vamos trilhar juntas aqui esse caminho: depuramos os fatos que aconteceram naquela situação, percebendo e separando nossos julgamentos; pesquisamos quais sentimentos estão vivos no outro e lhe causam tanto desconforto; mapeamos as necessidades, o que é importante e não recebeu o cuidado e a atenção pretendida por essa pessoa dentro da relação. Podemos, então, definir estratégias de cuidado, ações que cada um pode adotar para que essas necessidades sejam atendidas de maneira mais eficiente, o que pode surgir de um pedido dessa outra pessoa ou de uma elaboração conjunta.

A empatia se mostra, de fato, um recurso muito potente que nos apoia a resolver conflitos em nossas relações. No entanto, é fundamental esclarecer que oferecer empatia não pode significar um aval para que a gente se machuque ou permita ser machucada pelo outro. Especialmente se a comunicação do outro expressa uma desaprovação sobre a nossa identidade, nossa liberdade de escolha, nossa integridade enquanto ser humano. É preciso cuidar das nossas fronteiras!

Concordo que podemos ser nós a darmos o primeiro passo adiante para chegar ao ponto de encontro nas relações, nos abrindo para compreender o outro. Porém, não concordo que isso seja feito a qualquer custo, nos atropelando no processo.

Para que possamos cuidar do outro é essencial que cuidemos de nós. Como podemos compreender e acolher o outro, nos conectarmos com o outro quando sequer fazemos esse processo conosco em primeiro lugar? A conexão com o outro não pode ser prioridade sobre a nossa conexão com a gente. É a partir do respeito à nossa integridade que poderemos nos mover em direção ao encontro com o outro. Aliás, arrisco-me a dizer que a conexão com o outro não será íntegra se não estivermos conectadas conosco; é como se oferecêssemos um carro sem motor, existirá ali uma carcaça bonita, mas faltará a essência. Cada parte de nós importa!

Portanto, o passo número um para cuidar das nossas relações é percorrer dentro de nós mesmas aquele caminho que vimos anteriormente, investigando nosso próprio mundo interno, como nossas emoções e necessidades foram afetadas, descobrindo o que é importante para nós e está precisando de mais cuidado e atenção do que tínhamos consciência. Para isso é preciso pausar, nos interessarmos por nós mesmas e corajosamente entrarmos em contato com pontos de desconforto em nós, acolhendo o que emergir com gentileza – não há nada de errado, nada que precise ser consertado ou escondido, há apenas humanidade.

Vivenciar essa conexão conosco facilita encontrar espaço interno para conversar e compreender como o outro também foi afetado e juntos construirmos novas trilhas para caminhar lado a lado, cuidando do que é importante para ambos. Não tem fast-food que ofereça combo mais feliz que esse!

Mas preciso te dar um choque de realidade: nem sempre esse será o resultado das nossas conversas, por mais empáticas que possamos ser. Note que a todo momento falo em “compreender o outro” e friso que compreender não significa concordar. No afã de sermos empáticas podemos confundir essas palavrinhas e transformar totalmente nossa experiência. E aqui entra o respeito à nossa integridade, o cuidado com as nossas fronteiras e o motivo da conexão com a gente mesma ser tão essencial nesse processo.

Numa relação saudável buscamos encontrar alternativas que cuidem das necessidades de ambos de forma harmoniosa; os conflitos nos mostram os desequilíbrios para que possamos nos reencontrar no eixo central das nossas relações. Não gosto da palavra ceder, entendo que é sobre explorarmos novas possibilidades de forma criativa, saindo do modo automático – e talvez mais confortável - a que estamos acostumadas a resolver as questões. Isso pede pitadas de maturidade, vontade e esforço. Mas esse esforço em direção ao cuidado com as necessidades do outro não deve significar um descuido com as nossas próprias necessidades e limites. Esse é o ponto de divergência ou convergência para as relações: o quanto cada um está disposto e tem possibilidade para avançar em direção ao encontro e onde percebemos que atingimos nossos limites saudáveis para não nos deixarmos de lado. Sacrifício não é prova de amor!

Reconhecer os limites de cada um dentro das relações é essencial para que as estratégias de cuidado considerem esses limites; caso contrário, é como se colocássemos 1 litro de gasolina para dirigir uma estrada de 5000Km, se não há combustível suficiente (necessidades e limites bem cuidados) o carro vai parar diversas vezes ao longo da estrada (repetição de conflitos na relação) e, quem sabe, até dar uma pane geral.

Eventualmente não será possível colocar a quantidade pretendida de combustível no carro porque limites saudáveis foram atingidos e a realidade crua (e desconfortável) pode nos mostrar que, talvez, a melhor estratégia de cuidado para ambos seja o desencontro.

Empatia não é uma garantia de relações vitalícias, ela nos apoia a depurar o que está vivo dentro de nós e do outro para que possamos, com mais consciência e intencionalidade, escolher a direção que queremos seguir e que cuida melhor de nós.

Tatua na pele: cuidar das próprias fronteiras é a melhor demonstração de respeito e amor por mim e pelo outro.


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Debora Andrade

Instrutora de mindfulness no modelo neurocognitivo pelo Mindfulness Centre of Excellence / Londres, multiplicadora de comunicação não violenta, membro da Rede Desacelera. Ofereço treinamentos dedicados à promoção da qualidade de vida e bem-estar, autoconhecimento e conexões humanas. Acredito numa vida desacelerada para um viver com mais presença, gentileza, consciência e intencionalidade.

Debora Andrade

Aprendiz da vida, em constante (des)construção, praticante de yoga, meditação e corrida, interessada em temas relacionados ao autoconhecimento, gestão das emoções e relacionamentos interpessoais. Acredito na vivência do ser humano em harmonia com a natureza. Estou cursando formação em Comunicação Não Violenta. Já atuei como advogada especialista em contratos no mercado corporativo por mais de 10 anos. Atualmente me dedico a projetos que envolvam a prática e disseminação da comunicação não violenta em prol de um mundo de paz.


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