Estar na Pele da Bruna
PÁGINA 5
Por acaso eu te fiz alguma coisa?
Essa é a pergunta que volta e meia me atravessa a garganta. Não por mágoa apenas — por perplexidade mesmo. Porque eu penso: será que fiz algo tão grave a ponto de merecer silêncio? A ponto de sumirem, se calarem, virarem o rosto?
Eu fui traída e enforcada enquanto ainda estava no puerpério. O Luca tinha 11 meses e ainda acordava cerca de 10 vezes por noite. Depois disso, desenvolvi uma depressão profunda, claro — e também transtorno de estresse pós-traumático. Fiquei seis meses sem dormir, com medo de que o fulano voltasse pra me matar. Literalmente.
Pouco tempo depois, fui despejada. O pai dele me expulsou do apartamento — mesmo eu estando desempregada e fragilizada. Em menos de seis meses. Cheguei a pesar 39kg. E ainda assim ouvia diariamente que era vagabunda, sem luz, parasita, doente, lixo humano. Até que finalmente entrei com uma medida protetiva.
Endividei-me para pagar advogada. Comprei um carro velho, um Ka 2009 com 100 mil km. Mas tudo bem, não estou reclamando disso. É só parte da história. Consegui um emprego. Comecei a melhorar. Mas continuo sendo mãe solo. Vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. Sem pausa. O pai do Luca o vê a cada 15 dias, por 3 horas — e acompanhado.
Quando finalmente consegui respirar, minha mãe afundou. A depressão dela veio pesada, os meus pais se separaram. Voltaram depois, mas do jeito que deu. Eu me desdobrei em mil para apoiá-los — mesmo depois de tudo o que passei.
Dois anos depois, finalmente permiti que um homem me tocasse de novo. Isso foi há apenas três meses. Ele foi o único.
A verdade é que ser mãe não é fácil. Ser mãe solo, então, muito menos. A gente esquece datas, programas, aniversários. Às vezes, esquece até de si mesma. Imagino que eu não deva ser a melhor amiga do mundo, mesmo. Mas — ainda assim — me estranha que, depois de tudo, você nunca tenha ligado. Nem nos primeiros meses. Nem uma mensagem pra perguntar como eu estava.
Então volto à pergunta que me queima por dentro:
Por acaso eu te fiz alguma coisa?
***
Bruna Ferreira
Advogada de formação, hoje gerente de projetos em tecnologia (onde os prazos são curtos e os cafés longos). Mãe do Luca — especialista em noites mal dormidas e amor incondicional. Sobrevivente de violência doméstica, transformando dor em força e ajudando outras mulheres a fazerem o mesmo. Sempre em busca de evolução (e umas horinhas de sono também).
***
*As opiniões expressas na coluna Estar na Pele não refletem diretamente as posições editoriais do Instituto Bem do Estar, são baseadas nas experiências dos colunistas e suas versões do fato, sendo a ideia da coluna um diário aberto onde autores podem expressar suas experiências de forma genuína se aproximando dos leitores.
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Falar sobre violência psicológica ainda é difícil. Talvez porque, ao contrário da violência física, ela não deixe roxos, cortes ou ossos quebrados — ela corrói por dentro. Silenciosa. Disfarçada. E, por isso, tão perigosa.