Estar na Pele da Josi: Página 02

Estou mais uma vez encarando a página em branco, as palavras vem como em uma tempestade em minha mente; há muito o que dizer, mas não sei por onde começar, assim como não soube por onde me questionar e como bloquear os pensamentos ruins que vinham em minha mente sempre que o assunto sobre não ser hétero aparecia.

Fui criada em um ambiente extremamente preconceituoso, logo se descobrir bissexual e demi não foi uma tarefa fácil. Eu já me cobrava demais para estar dentro dos padrões que minha mãe achava bonito, já me esforçava para ser magra e boa aluna, no entanto, no fundo sempre fui estranha demais e mal se aproximavam de mim.

Por serem superprotetores, eu pouco vivi minha adolescência, logo pouco conheci pessoas e me descobri. Foi na internet que eu encontrei os questionamentos necessários e a vivência que eu tanto buscava. Ler fanfics sobre casais homoafetivos estava longe de ser minha realidade, eu repudiava, assim como me repudiava. Mas, eu lembro perfeitamente da garota de 15 anos ansiosa para ter um selinho da amiga, mesmo que fosse na brincadeira, lembro de ter gostado mais que amiga de algumas e no fim não perceber porque eu só não aceitava aquilo como algo natural e normal.

Eu lembro do frio na barriga, das vezes que só queria ficar perto. Mas, eu nunca as entendia, a realidade era que gostar de mulher era errado e algo que meus pais repudiavam. No fim, eu só fui me questionar realmente com 19/20 anos depois de um relacionamento frustrado, quando uma amiga chegou e contou sobre para meu seleto grupo de amigos virtuais. 

Tudo havia feito sentido, só que eu ainda não aceitava. Como eu sentia atração por homens e mulheres ao mesmo tempo, como tudo o que eu sempre acreditei ser mudou de uma hora para outra? Não queria, sabia qual seria a reação dos meus pais e eu não estava disposta a lidar com aquilo.

É difícil se descobrir LGBT dentro de uma família homofóbica, crescer entendendo o quanto isso era “errado”, e se odiar porque simplesmente você é desse jeito. Minha saúde mental nunca foi das melhores, mas piorou quando comecei a me questionar e a tentar me entender, piorou ainda mais quando me entendi, e ficou ainda pior quando contei.

Não há como ser você mesma quando te sufocam por simplesmente ser quem é.

Eu tinha uma namoradinha, nada sério, mas achei que se contasse com a ajuda dela seria mais fácil, porém não foi. Ela terminou comigo e minha mãe ficou repetindo e chorando que eu era uma decepção para ela, que havia destruído por completo o sonho dela. No entanto, e o meu sonho? E a minha felicidade? Nada disso importava? 

Demorei tanto tempo para me reconhecer e me descobrir, entender que o que eu sentia era natural, para vir minha mãe e destruir toda a estrutura recém construída.

Lembro quando meu antigo psicólogo me perguntou se eu não estava mal porque eu não gostava do fato de gostar de mulheres, e eu não soube responder, mas a resposta era sim. Eu estava cada vez me odiando mais por não ser o que meus pais esperavam de mim. Afinal não importa o que eu faça, nunca serei aquela que vai casar com alguém que eles queiram, se é que eu queira casar. Eles criaram uma filha para eles, para fazer o que eles não puderam, enquanto meus sonhos e vontades ficam de lado.

No fundo, o processo de auto aceitação é constante, difícil e delicado. Não há como só se aceitar da noite para o dia ou fazer com que todos te entendam. No fim, no final do dia, sobra apenas você para se agradar. 

E é nisso que eu tento pensar, mesmo que minha saúde mental não esteja das melhores, é em mim que eu tento focar. Porque se amar é aceitar cada imperfeição e qualidade sua, é entender que ser LGBT é “normal” e é parte de quem é, porque não há nada mais lindo que amar livremente e ser você mesmo sem depender dos outros.   

***

Josi

A professora que busca ser amiga de seus alunos, aquela que não aparenta a idade que tem, porque permanece com a alma de criança. Sou a Josi, escrevo desde 2014 e encontrei na escrita o meu refúgio, foi através dela e de meus personagens que me descobri, me desbravei e me apaixonei por mim mesma.

Espero que através de minhas palavras você encontre um abraço caloroso e um conforto, que se questione e te deixe reflexivo, que te entenda de alguma forma, e que possa se apaixonar por si mesmo como aconteceu comigo.

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