Estar na Pele da Mariana: Página 03

Alô, alô! Como está por aí? Hoje faço uma pausa nas minhas lamúrias mundanas desta página e dou um “oi” especial à minha querida e orgulhosa comunidade LGBTQIAPN+, propondo uma conversa aberta àqueles não identificados com a comunidade.

Fui provocada pela maravilhosa Bel, cofundadora deste Instituto que vós visitais, sobre se ser LGBTQIAPN+ impacta a saúde da mente. Minha resposta é sim, mas a justificativa é permeada por nuances diante da fluidez que me permito navegar sobre minha orientação sexual, além de considerar que cada um tem sua voz e experiência – e, particularmente, é o que mais me fascina sobre essa diversa e colorida comunidade. 

No meu caso, por muita sorte, caí neste mundo numa família incrível e muito compreensiva. Não que acredite que dependamos de compreensão ou, até, de aceitação - isto implicaria dizer que há algo de errado comigo. E não tem nada de errado comigo! Eu sou o que sou e ponto. 

Porém, chegar neste entendimento me tomou alguns bons anos e, bom, ter compreensão e aceitação facilita muito. Digo isto porque acredito que o primeiro preconceito que enfrentamos é o de nós mesmos. Será que posso dizer que isto é unânime? Não quero falar por todos... Me diga, você aí.

Meus primeiros questionamentos começaram lá pelos 13 anos. Era tanta vergonha e medo que me escondia dentro de mim mesma. Pensava: logo eu?! Mais de 1 bilhão de pessoas neste planeta e eu que tenho que gostar de meninas?! Não poderia ser mais “normalzinha”, não?!

Hoje acho muito doido pensar sobre isso tudo. Estou confortável sendo quem eu sou, pois parto do princípio de que, se não me entendem ou aceitam, não são para mim. Com algumas pessoas realmente não existe conversa e, sinceramente, não perco tempo, muito menos energia tentando me explicar. 

Porém, no início da minha carreira caminhoneira, achava difícil saber como navegar - ou dirigir (heh). Apesar de ainda novinha, já estava cheia de conceitos formados por outros e a mim condicionados. Paniquei ao saber que minha vida estava indo para uma estrada que não tinha o menor controle ou conhecimento (primeiro episódio claro de curto-circuito ameaçando minha saúde mental imersos num sentimento de inadequação, anormalidade, desconformidade).

Ainda que tenham sido tempos difíceis, especialmente para uma adolescente introspectiva e extremamente tímida, acordei comigo mesma que a minha felicidade seria minha prioridade e, se fosse o caso de amar mulheres, então amarei mulheres. Afinal, por que seria o meu amor uma ameaça? É amor, caramba!

O negócio é que não bastava só me aceitar. Enfrentaria o maior desafio de todos em seguida: ser quem sou na sociedade LGBTfóbica que vivemos. Eu seria, então, uma bandeira ambulante. Ao mesmo tempo que propagaria amor, desafiaria as estruturas de pessoas que me cercam, as conhecendo ou não.

Como mencionei, minha família sempre me abraçou. Também tive sorte nas amizades que fiz e ainda faço. Sorte também no ambiente de trabalho. Privilégio, sorte, chame do que quiser, isto não me isentou de sofrer homofobia.

Não vou entrar em detalhes aqui, caso contrário, posso perder o foco (mas, também, não queria não dar a devida importância sobre o tópico). A questão é que o simples fato de saber que ser quem sou seria uma ameaça a outros moldou a forma como me vestiria, como demonstraria afeto, os lugares que frequento e, até, o que falo ou não falo para outras pessoas. Tudo vira uma escolha consciente, um estado de alerta.

Ser LGBTQIAPN+ é ser, constantemente, um desafio às estruturas da sociedade e, portanto, uma constante preocupação à minha integridade. A violência contra nós é real e mortal. Ao mesmo tempo, tal desafio me deu mais forças para ser quem sou e enfatizar no meu ser o “diferente tipo de amor” que sinto.

Claro que a minha experiência é diferente de muitos. Para mim, a forma como amo me permeia, me impulsiona e me paralisa ao mesmo tempo porque, no fim das contas, é o conflito entre o medo de ser julgada, violada, espancada, morta versus... amor? 

A mente vai longe porque sabemos da realidade. Sair na rua não é simplesmente sair na rua. Fazer amizades não é simplesmente fazer amizades. Um almoço com um colega de trabalho não é um simples almoço com um colega de trabalho.

E se perguntarem se sou casada? Se tenho namorado? Se questionarem as roupas que visto? Se perguntarem sobre aquela amiga que está sempre comigo? E se quiser contar uma história e, sem querer, soltar alguma informação “duvidosa”?

A mente fica cheia de barreiras e preocupações que cerceiam a minha liberdade de ser, de me expressar, viver, amar. Impossível não ter a saúde mental afetada.

Pelo lado bom, para mim, pelo menos, ficou melhor. No entanto, hoje tenho uma visão mais aberta sobre a minha sexualidade, de uma forma bem mais fluida, apesar disto não impedir violências. Mas, veja, meu ponto de vista é, sim, privilegiado (acho que aqui tomei a decisão de que não é somente sorte).

De toda forma, a minha perspectiva não me faz ignorar as violências diariamente enfrentadas pela nossa comunidade LGBTQIAPN+. Estamos juntos, falando cada vez mais alto e com frequência sobre o assunto, cada um do seu jeito – e não menos importante, seja no seu ciclo de amigos, família, redes sociais, tomando as ruas numa linda Parada LGBTQIAPN+, ou, simplesmente, pela sua existência.

Feliz mês do orgulho, meus abençoados por esta purpurina que nos mantém fortes e gostosos!

***

Mariana Calvão

Sou carioca, nascida e criada na zona norte, onde morei por 30 anos. Hoje estou morando pelo mundo, onde me faço e refaço, deixando e recebendo um tanto por onde passo, e levando comigo a certeza de que muito pouco eu sei, mas sempre à procura de um sorriso meu e daqueles que me permitiram os amar.

Mariana Calvão

Sou carioca, nascida e criada na zona norte, onde morei por 30 anos. Hoje estou morando pelo mundo, onde me faço e refaço, deixando e recebendo um tanto por onde passo, e levando comigo a certeza de que muito pouco eu sei, mas sempre à procura de um sorriso meu e daqueles que me permitiram os amar.

Anterior
Anterior

Conflito: mudando a rota do confronto para a conexão

Próximo
Próximo

Encontrar o outro sem descuidar das nossas fronteiras