Não é necessário dar opinião sobre tudo nas redes

A toxicidade empregada nos debates das redes sociais e o mal-estar que gera na civilização.

 

“O preço do progresso cultural é a perda da felicidade pelo acréscimo do sentimento de culpa!”  

Sigmund Freud.

Foto: rawpixel.com / Freepik

 Quando Freud diz isso, de certa forma, me leva a refletir que talvez tenhamos “progredido”, conquistado mais consciência sobre alguns fatos e, por consequência, sentimos mais culpa. Entretanto, recaímos a uma forma muito disfuncional para amenizar esse terrível sentimento: colocar tudo nas redes sociais. Seguir essa tendência na internet de todo mundo falar incansavelmente sobre tudo, não filtrar as informações, acirrar polêmicas e responsabilizar as pessoas individualmente por problemas que são de cunho social, não parece atender as expectativas de mudanças sociais que miramos enquanto sociedade, na verdade tem funcionado como uma distorção da matriz das reais questões.


Diferente de se posicionar, que é algo necessário e que você pode manter no seu meio, o dito “overposting” ou o que devemos chamar de postar demais - expor demais - na verdade, funciona como campanha para diversas narrativas em que, na maioria das vezes, não conhecemos a origem. Casos específicos tomam proporções generalistas, narrativas podem ser apelativas, mal contadas e confusas, fatos que nos levam a sentir culpa ou ódio de forma desproporcional e turva, além de outras diversas emoções dissociadas ao que de fato está acontecendo na nossa vida em particular.  Isso acaba tirando o foco sobre a nossa própria vida, desencadeando gatilhos, promovendo, no fim, a ansiedade.  


Veja bem, olhar criticamente para esse fenômeno não significa que ninguém tem responsabilidade de nada do que acontece ou que nunca devemos nos posicionar ou, ainda, que não temos solução. Senão que, essa vulnerabilidade - a culpabilização produzida nessa relação com a informação nos meios digitais - nos leva a direções opostas, antes mesmo de perceber ou apontar o descaso de quem, realmente, tem poder de mudar o rumo dos meios de produção e afetam as formas de vida na sociedade. Isso cria uma sensação de tensão que nunca passa.

Viramos reprodutores das cortinas de fumaça que se criam nos ambientes virtuais, através de técnicas brutais como as fakes news e com os “influenciadores” do desnecessário, do fútil, da polêmica e do irrelevante.

O estranho comportamento de se pronunciar sobre absolutamente tudo é um problema de ego. Como diz Freud, em outras palavras, parece seguro, mas não é, parece o certo, mas nem sempre é necessário e, além de tudo, nos causa mais sofrimento. Isso tem sido um grande obstáculo para o entrosamento da população, tirado o senso de comunidade e restringido a verdadeira força reflexiva da consciência coletiva. A posição crítica que tomamos na internet, na maioria das vezes, pode ser destrutiva sem notarmos. Porém, as ações, por mais que possam parecer conscientizadoras, podem estar limitadas apenas a reprodução do caos e a espetacularização do sofrimento, nada mais.

De qualquer forma - se é que podemos atribuir juízo de valor ao pensar o que realmente importa ou não na internet - é preciso ter mais cuidado ao se posicionar o tempo todo, sobre todas as coisas que acontecem. Buscar consciência é importante, se informar também, mas é preciso olhar mais criticamente para o terreno digital, mais precisamente para as redes sociais, e não colocar a vontade de emitir notas sobre os fatos acima da sua saúde mental. O posicionamento também é presente no cotidiano e pode ser uma ilusão nossa contar apenas com as redes para se manifestar.

A autorregulação das emoções é extremamente prejudicada pelos estímulos que recebemos ao deslizar os dedos nas telas.

O compartilhamento atribui responsabilidade sobre o conteúdo, inconscientemente estamos internalizando dores e sentimentos que não tem origem nos nossos comportamentos, sem reflexão e fortalecendo histórias fúteis.

Com certeza esse assunto tem muitas ramificações e outras explicações, mas, me parece comum a todas, os possíveis questionamentos com relação aos meios digitais e o desgaste da nossa saúde. Não é necessário consumir todo conteúdo, não é necessário dar opinião sobre tudo. Relevante mesmo é se cuidar desse fenômeno confuso, entupido e violento, o máximo possível.  

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João Vitor Borges

Psicólogo Clínico e Social. Escreve textos e reflexões gerais com ênfase em comportamento social e saúde mental

João Vitor Borges

Psicólogo Clínico e Social. Escreve textos e reflexões gerais com ênfase em comportamento social e saude mental.

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