Sejamos mais livres
Quando falamos sobre relacionamentos afetivos na comunidade LGBT+ há um preconceito que paira no ar sobre uma suposta superficialidade dos vínculos, além da promiscuidade e inconstância nas relações afetivas.
Minha hipótese para a manutenção desta percepção errônea vem de como indivíduos pertencentes a comunidade LGBT+ têm sua sexualidade desenvolvida numa sociedade discriminatória. Ou seja, o que somos, nossos comportamentos, pensamentos, sentimentos, foram aprendidos a partir da comunidade em que vivemos. Portanto, apesar de toda a luta social por igualdade, uma criança nascida exatamente hoje, ainda encontrará uma sociedade predominantemente preconceituosa em relação as diversidades de gênero, sexo, cor e etc.
Como posso ter um desenvolvimento saudável numa sociedade que não promove visibilidade sobre as diferenças, representatividade das maiorias, e inclusão do que é diverso?
Iniciemos nossa reflexão pela sexualidade genericamente falando. Todos nós quando fomos alfabetizados tivemos alguém que nos expôs a um modelo adequado de escrita e fala. Pudemos observar nossos professores verbalizando o som de cada letra, caprichando no contorno de cada palavra. Mas quantos de nós pode tirar dúvidas sobre as diferenças de genitálias com a própria família?! Quem dirá sobre como se sentia em relação a uma identidade de gênero imposta que não lhe representava!
Cada passo que demos em relação à nossa sexualidade foi dado sozinho, sem autorização nem apoio. Ou então tivemos informações truncadas obtidas na internet ou ofertadas na escola pelo grupo de amigos – que convenhamos, estava mais propício a nos julgar, do que a garantir uma troca de informação saudável.
Atrevo-me a dizer que, quando falamos sobre sexualidade ninguém teve uma educação saudável, aberta e transparente – seria uma agulha num palheiro! Portanto, fomos tirando nossas próprias conclusões sobre o que era apresentado, mesmo que de maneira inconsistente ou errônea, e nos aventurando a algumas experiências. Conclusão: se pudéssemos medir o nível de autoconhecimento sobre nossa sexualidade, eu diria que a depender do que a sociedade nos propõe, nosso nível de conhecimento está abaixo do “básico”.
Agora a questão é: como uma pessoa que não se sente representada pelas explicações vigentes constrói sua sexualidade? Se já é difícil para quem tem representatividade, e para aqueles que estão em plena descoberta? E para aqueles que recebem uma mensagem subliminar de que o que estão sentindo é errado? Se a sociedade me diz que devo me conter numa caixinha... o que ocorre para quem não acha uma caixinha à qual pertencer?
E são esses indivíduos, enquadrados em caixinhas ou não, que se vão se expor aos relacionamentos afetivos ao longo da sua vida. E provavelmente ao longo de suas vidas terão dificuldades em reconhecer em si e no outro seus verdadeiros desejos, expectativas e valores.
Terão dificuldade primordialmente porque desejos são diversos, mas a diversidade é conflitante com uma imposição de “ter padrões”. Então vemos indivíduos sofrendo em relações fechadas por estarem presos aos padrões que a sociedade dita sobre “uma relação afetiva”. Pessoas sofrendo por não terem alguém, porque a sociedade diz que para ser feliz é preciso estar num relacionamento duradouro.
Vejo pessoas reféns de suas próprias regras. Mas regras que não condizem com o que elas sentem ou desejam. E numa busca desenfreada para cumprir os padrões esperados, ou até mesmo para se rebelar contra os padrões estabelecidos, vejo pessoas sendo reféns do que o outro vai pensar. Seja para agradá-lo, ou para mostrar que não vão fazer o que ele diz.
De qualquer maneira, as pessoas estão desconectadas do que é importante para si. Estão controladas por aceitar ou lutar contra padrões, e estão esquecendo o motivo real de estarem se relacionando com alguém.
Por este motivo, entendo que os relacionamentos atualmente são mais frágeis, a tolerância é menor e a comunidade LGBT+ não está diferente de nenhuma outra comunidade. Estamos em relacionamentos cada vez mais instáveis e quebradiços.
A solução? É encontrar dentro de cada um, o motivo real para se relacionar. É entender a real necessidade de se envolver com alguém. É saber que primeiro preciso estar inteira para depois querer compartilhar algo.
A felicidade como casal? Ahhhh sim... essa virá a partir do momento em que estivermos em equilíbrio entre o que somos, o que desejamos, o que podemos, o que é conveniente fazer em cada momento. E assim poderemos compartilhar nossos desejos com um outro alguém, que poderá, em sua luta individual, compartilhar seus sonhos e expectativas conosco também.
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Erika Scandalo
Especialista em Psicologia Clínica Comportamental, produz conteúdo sobre a vida e como aproveitá-la de diferentes formas. Acredita que a felicidade é consequência de uma visão proativa sobre as dificuldades. Ser feliz é mais um olhar sobre o que se é, do que ter tudo o que se quer.