Sejamos mais livres

Quando falamos sobre relacionamentos afetivos na comunidade LGBT+ há um preconceito que paira no ar sobre uma suposta superficialidade dos vínculos, além da promiscuidade e inconstância nas relações afetivas.

Minha hipótese para a manutenção desta percepção errônea vem de como indivíduos pertencentes a comunidade LGBT+ têm sua sexualidade desenvolvida numa sociedade discriminatória. Ou seja, o que somos, nossos comportamentos, pensamentos, sentimentos, foram aprendidos a partir da comunidade em que vivemos. Portanto, apesar de toda a luta social por igualdade, uma criança nascida exatamente hoje, ainda encontrará uma sociedade predominantemente preconceituosa em relação as diversidades de gênero, sexo, cor e etc.

Como posso ter um desenvolvimento saudável numa sociedade que não promove visibilidade sobre as diferenças, representatividade das maiorias, e inclusão do que é diverso?

Foto: Pollyana Ventura / Canva Pro

Iniciemos nossa reflexão pela sexualidade genericamente falando. Todos nós quando fomos alfabetizados tivemos alguém que nos expôs a um modelo adequado de escrita e fala.  Pudemos observar nossos professores verbalizando o som de cada letra, caprichando no contorno de cada palavra. Mas quantos de nós pode tirar dúvidas sobre as diferenças de genitálias com a própria família?! Quem dirá sobre como se sentia em relação a uma identidade de gênero imposta que não lhe representava! 

Cada passo que demos em relação à nossa sexualidade foi dado sozinho, sem autorização nem apoio. Ou então tivemos informações truncadas obtidas na internet ou ofertadas na escola pelo grupo de amigos – que convenhamos, estava mais propício a nos julgar, do que a garantir uma troca de informação saudável.  

Atrevo-me a dizer que, quando falamos sobre sexualidade ninguém teve uma educação saudável, aberta e transparente – seria uma agulha num palheiro! Portanto, fomos tirando nossas próprias conclusões sobre o que era apresentado, mesmo que de maneira inconsistente ou errônea, e nos aventurando a algumas experiências. Conclusão: se pudéssemos medir o nível de autoconhecimento sobre nossa sexualidade, eu diria que a depender do que a sociedade nos propõe, nosso nível de conhecimento está abaixo do “básico”. 

Agora a questão é: como uma pessoa que não se sente representada pelas explicações vigentes constrói sua sexualidade?  Se já é difícil para quem tem representatividade, e para aqueles que estão em plena descoberta?  E para aqueles que recebem uma mensagem subliminar de que o que estão sentindo é errado? Se a sociedade me diz que devo me conter numa caixinha... o que ocorre para quem não acha uma caixinha à qual pertencer?

E são esses indivíduos, enquadrados em caixinhas ou não, que se vão se expor aos relacionamentos afetivos ao longo da sua vida.  E provavelmente ao longo de suas vidas terão dificuldades em reconhecer em si e no outro seus verdadeiros desejos, expectativas e valores.

Terão dificuldade primordialmente porque desejos são diversos, mas a diversidade é conflitante com uma imposição de “ter padrões”.  Então vemos indivíduos sofrendo em relações fechadas por estarem presos aos padrões que a sociedade dita sobre “uma relação afetiva”.  Pessoas sofrendo por não terem alguém, porque a sociedade diz que para ser feliz é preciso estar num relacionamento duradouro.

Vejo pessoas reféns de suas próprias regras. Mas regras que não condizem com o que elas sentem ou desejam. E numa busca desenfreada para cumprir os padrões esperados, ou até mesmo para se rebelar contra os padrões estabelecidos, vejo pessoas sendo reféns do que o outro vai pensar.  Seja para agradá-lo, ou para mostrar que não vão fazer o que ele diz.

De qualquer maneira, as pessoas estão desconectadas do que é importante para si.  Estão controladas por aceitar ou lutar contra padrões, e estão esquecendo o motivo real de estarem se relacionando com alguém. 

Por este motivo, entendo que os relacionamentos atualmente são mais frágeis, a tolerância é menor e a comunidade LGBT+ não está diferente de nenhuma outra comunidade. Estamos em relacionamentos cada vez mais instáveis e quebradiços. 

A solução? É encontrar dentro de cada um, o motivo real para se relacionar.  É entender a real necessidade de se envolver com alguém.  É saber que primeiro preciso estar inteira para depois querer compartilhar algo.

Sejamos mais livres, não só em movimentos sociais, mas principalmente dentro de nós mesmos. Sejamos mais flexíveis com os padrões que aprendemos – mas que não trazem felicidade; com as amarras que temos sobre o que somos – e sigamos em busca de autoconhecimento e aprimoramento individual.

A felicidade como casal?  Ahhhh sim... essa virá a partir do momento em que estivermos em equilíbrio entre o que somos, o que desejamos, o que podemos, o que é conveniente fazer em cada momento.  E assim poderemos compartilhar nossos desejos com um outro alguém, que poderá, em sua luta individual, compartilhar seus sonhos e expectativas conosco também.


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Erika Scandalo

Especialista em Psicologia Clínica Comportamental, produz conteúdo sobre a vida e como aproveitá-la de diferentes formas. Acredita que a felicidade é consequência de uma visão proativa sobre as dificuldades. Ser feliz é mais um olhar sobre o que se é, do que ter tudo o que se quer.

Erika Scandalo

Especialista em Psicologia Clínica Comportamental, produz conteúdo sobre a vida e como aproveitá-la de diferentes formas. Acredita que a felicidade é consequência de uma visão proativa sobre as dificuldades. Ser feliz é mais um olhar sobre o que se é, do que ter tudo o que se quer.

http://www.erikascandalo.com.br/
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