Sexo Dito
Há experiências que o corpo comunica e que são difíceis de verbalizar. Às vezes, uma vida inteira ainda é pouco para que se articulem e nomeiem os sentidos das sensações sexuais e do reconhecimento de como se dá a construção da nossa percepção da sexualidade e do papel do sexo em nossas vidas.
Eu sei que isso tudo parece muito distante das temáticas que norteiam minha prática profissional e parece loucura querer relacionar sexo e competência comunicativa, mas, de certo modo, estou puxando uma meada de raciocínio de imensa importância que é a identidade para a comunicação.
Um bom começo é entender que a complexidade do assunto se justifica porque contrapõe nossa inépcia na compreensão das sensações pessoais corporificadas ao nosso pouco conhecimento sensorial do corpo; entre eles há um acervo inominável de significados socioculturais sobre sexo em sua ampla terminologia.
Aliás, esse acervo atravessa os séculos reeditando a narrativa que nos molda e que por sua vez é moldada pelas crenças sociais, se encarregando de imprimir muita tensão às interações pessoais, especialmente ligadas à libido e ao sexo, mas, não somente.
Por outro lado, a linguagem passa pela elaboração psíquica das experiências e do conhecimento, no entanto, ela também traz consigo as ideologias e crenças.
Neste sentido, o que se diz é que biologicamente a vida humana tem início no ato carnal heterossexual e, dito isto como “normal”, todo desdito é visto como anormal e encontra dificuldades para manifestar-se.
A sexualidade em múltiplas possibilidades combinatórias (LGBTQIA+) fica submersa nos arquivos de temas intocáveis, provocando enormes crises identitárias, com efeito sobre a comunicação, evidentemente.
A verdade é que precisamos colocar em palavras as sensações e as experiências. Precisamos corporificá-las e não prototipá-las, para transpor os limites da própria linguagem. Verbalizar e articular as palavras que sentimos é um meio potente de ampliar os modelos socioculturais e desmistificar as crenças compactadas, reduzidas e, muitas vezes, perversas, com doses de discurso moral, religioso, associado a asco, sofrimento ou libertinagem.
Didaticamente, pensar, sentir, perceber, agir são antecedentes ao ato de comungar, refletir, analisar, compreender e transformar - ações características da comunicação saudável que promovem respeito, pertencimento e conexão.
Poeticamente seria como dizer que é preciso olhar para si antes de expressar-se ao mundo. Mas, não um olhar qualquer, é preciso profundidade para considerar o corpo e reconhecer a energia sexual sem menosprezar os desejos e os verbos que nos identificam.
As nossas experiências sociais concretas e corporificadas determinam nossas elaborações reais, incluindo as escolhas discursivas, o modo como nos apresentamos, como contamos sobre nós, como compartilhamos nossas vivências, como nos constituímos sujeitos da vida.
Eu, mais uma vez, entendo que a complexidade do assunto e a impermanência das situações são complicadores que abalam a lógica que deveria sustentar essa discussão, mas, reafirmo que precisamos falar mais sobre nós, e sobre sexo, sobre sexualidade, sobre diversidade, para que a comunicação, como essência das conversas boas, seja nosso recurso mais poderoso para vencer preconceitos e construir relações bem cuidadas, com mais compreensão, inteireza e amorosidade.
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Daniela Cais
Mestre em Fonoaudiologia – Comunicação Profissional (PUC-SP), Consultora de Comunicação Corporativa, Palestrante, Mentora e Escritora.