Suicídio e construção social do papel da Mulher
Por ocasião do Setembro Amarelo, somos convocados a olhar para um tema que causa angústia e perplexidade. Diante do ato de alguém que escolhe por interromper seu sofrimento através da morte, nos deparamos com um sentimento de desamparo. Profissionais da saúde sentem-se impotentes e incompetentes; familiares e amigos culpabilizam-se por não terem percebido a iminência do ato. Por outro lado, considerado um tabu, o suicídio desperta curiosidade (obscena): em torno da cena de um ato suicida, observa-se uma concentração de pessoas - como crianças que olham pelo buraco da fechadura para ver o que os pais estão fazendo e elas não podem saber.
Freud desenvolveu os conceitos de pulsão de vida e pulsão de morte, sendo que a última não se relaciona à morte propriamente dita, mas uma tentativa do Eu (Ego) para evitar desprazer. Por conta do medo frente à uma nova situação, pode ser preferível ao Eu permanecer em uma posição conhecida, ao invés de se arriscar. Nessa perspectiva, o suicídio não é a ausência de ação, o contrário, é um ato no qual se pretende interromper um sofrimento psíquico intenso e solitário, no qual o sujeito não encontra palavras. É diferente dizer “prefiro morrer” do que “quero me matar”. A primeira sentença traz em si um complemento “prefiro morrer a viver desse jeito”, ou seja, alude a uma outra forma de viver. A segunda é mais definitiva e remete à impossibilidade: não há o que possa ser feito.
Órgãos públicos realizam estudos para mapear as causas e prevalência entre diferentes camadas e contextos sociais, para traçar um compreensão do suicídio, enquanto fenômeno social, para contribuir com ações preventivas, como nas áreas da saúde e educação que promovam o debate sobre o tema de forma a diminuir os estigmas em torno desse assunto, conforme apontado pelo Boletim Epidemiológico, da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde (2021). Em 2019, a OMS divulgou um estudo no qual relaciona o suicídio com transtornos psiquiátricos como a depressão e esquizofrenia, na maioria dos casos. Não cabe questionar esse dado, mas importante lembrar que há diferenças socioeconômicas, culturais, de faixa-etária e de gênero que ampliam a discussão para além da patologia.
Quanto à especificidade do suicídio entre as mulheres no Brasil, o estudo “O Comportamento suicida em mulheres de distintas sexualidades: violências silenciadas”, de Felipe Baere e Valeska Zanello (2020), elenca os motivos socioculturais que levaram mulheres de diferentes orientações sexuais a cometerem atos suicidas. Não cabe esmiuçar o estudo, porém é impressionante notar que entre as causas de intenso sofrimento psíquico, não há nenhuma novidade. Entre elas figuram o ideal de maternidade e a sobrecarga quanto as cuidado com os filhos. Ainda que tenhamos avançado em discussões quanto à paridade entre homens e mulheres, nos casamentos heterossexuais, são elas que, na maioria das vezes, têm que abdicar de seus interesses para priorizar o cuidado com os filhos (aqui fica a dica do livro Um Amor Conquistado: o Mito do Amor Materno, no qual Elisabeth Badinter, traça a trajetória histórica da noção de maternidade).
Entre as mulheres homossexuais, observa-se maior prevalência em regiões do interior, onde sofrem mais preconceito, e consequentes violências. Ainda no que tange ao discurso social em torno do que “é ser uma mulher”, os pesquisadores lembram da subserviência e da submissão, que fazem com que muitas mulheres não possam compartilhar as violências sofridas, causando dessubjetivação, maior solidão e impossibilidade de falar sobre seu sofrimento.
Lembremos a música, “Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas/ Geram pros seus maridos os novos filhos de Atenas/ Elas não têm gosto ou vontade/ Nem defeito, nem qualidade/ Têm medo, apenas”.
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Silvia Cavalcanti - Colunista convidada
Psicóloga e psicanalista, com atuação em consultório particular e, atualmente, também trabalha como psicóloga hospitalar. Com experiência em políticas públicas da Saúde e Assistência Social, interessa-se pela multiplicidade das formas de viver.
Nosso desejo sexual pode variar ao longo da vida e isso não é um problema. Dependendo da nossa rotina, da nossa saúde física e mental, da nossa idade, da nossa sensação de bem-estar, dentre outros fatores, podemos estar com maior ou menor libido, sem necessariamente ter algo de errado. Mas quando essas alterações se tornam persistentes e prejudicam a vida da pessoa, algo deve ser feito para reequilíbrio do organismo.