Ecos do Estar: Arte da paz, capítulo 3, Por Paula Neves

Artesanato de emoções 

O capítulo onde a história de Luana termina para nós e continua em si

A arte é essa dádiva que a humanidade recebeu, capaz de transformar qualquer ser humano que ousa se aventurar nos caminhos criativos da mente. Criativos no intuito de produzir uma expressão daquilo que se sente.

Era como Luana experienciava a arte em sua vida de poeta, pelo menos. Mas diante de suas próprias ausências muitas vezes se alienava de si e mergulhava num outro sem fim. Daquele outro que a define, que condiciona a sua própria existência. Luana existia porque existia através do outro, porque se sentia definida pelo outro, porque entregava ao outro o poder de fazê-la se sentir existindo.

Cotton bro/ pexels

O tempo passou desde aquela última vez que se apaixonou. Ah esse grande deus, o tempo, senhor de tudo o que nos assombra e nos encanta. Luana tentava aprender a se relacionar de outra forma que não fosse daquela misturada, daquela de se perder no outro e esquecer de ser indivíduo. E parece que quando se tratava de sexo, tudo isso ganhava uma dimensão mais intensa e profunda. Não se sentia dona do seu próprio prazer, esperava que o outro satisfizesse os seus próprios desejos e se perdia no reconhecimento de si e do seu corpo quando estava colada em outro corpo.

E como em toda empreitada para romper um padrão, ela errava e voltava cansada, angustiada mais uma vez à sua prisão. Ela se aprisionava na sensação de se sentir um lixo. Manter esse lugar do lixo vivo garantia também o ideal de que existe um lugar oposto àquele: um lugar de prazer  supremo e de luxo.

Ela queria manter essa ideia fixa do prazer supremo e do luxo viva porque era onde ela achava que poderia ser amada, onde poderia estar acompanhada, apenas neste lugar. Mas para existir um luxo, inevitavelmente havia de existir um lixo. Portanto, fatalmente, na crise, ela voltava para essa prisão.

O que fazer na crise? Como suportar quando a emoção vem forte? Como existir na ausência do corpo do outro? O que fazer com a solidão? O que fazer com o desejo?

Escrever? Pintar? Dançar? Transar?

A triste-feliz desilusão de Luana é a de que na vida não há um lugar ideal onde se chegar e de que os atalhos parecem levá-la a becos sem saída e precipícios inatravessáveis que a afastam cada vez mais de si. Construir uma força capaz de seguir sozinha o seu caminho era o maior desafio de Luana, de ser mais dona do seu prazer, reconhecer o seu corpo mesmo estando com outro, acreditar em si e confiar sem precisar de garantia.

Luana olha para o espelho e tudo fica ainda mais difícil, parece que o coração vai dilacerar. 

Mas não, seu corpo aqui agora existe e é um refúgio para o qual sempre  podemos voltar. Ainda quando o caso for o de estarmos nos afogando, existe o corpo que pode escolher parar de lutar.

Parar de lutar não necessariamente significa fugir, desistir de viver. Parar de lutar pode significar apenas se retirar do conflito; sair do lugar onde somos definidos, onde o julgamento nos encontra.

E encontrar um espaço onde os pensamentos são livres e criativos: a emoção é tão forte que é capaz de ser matéria-viva para um poema.

O que o outro faz, 

o que o outro diz, 

o que o outro escolhe 

não diz sobre mim, 

diz sobre o outro


O que eu faço, 

o que eu digo, 

o que eu escolho, 

Ah isso sim

diz sobre mim.

Enquanto Luana se afogava na crise, seu corpo gritava estar cansado de tentar ser o que não era, de tentar satisfazer o que acreditava ser a expectativa daquela, daquela, daquela e daquelas pessoas.

Mergulhou no mar profundo da poesia sem se mexer, percebendo o corpo que existia independente de qualquer outro ser.

E agora? Qual era mesmo o desejo de Luana?

Se lembrou de uma cena que viveu na escola, onde ensinou algo para outra criança. Se lembrou de como sua voz saia doce e segura da sua boca, repleta de afeto e atenção. O outro não era maior nem menor, era igual, era amor, era união. Nesse lugar de igualdade, Luana sentia calma, sentia liberdade e não se preocupava tanto com a quantidade de amor que recebia em troca do que dava, tampouco se preocupava se ali sua existência era visível ou invisível.

Como transpor essa sensação, essa posição estando em um momento de afeto, de troca, de sexo?

O desejo de Luana continuava sendo o de existir e viver, é que agora a escolha esboçava ser mais própria: a de percorrer o seu caminho. Quando a separação do outro acontecia, ela já não se sentia mais tão perdida.

E ainda que o seu caminho atravessasse outros caminhos e que considerar o outro com amor seja o seu maior valor, não havia mais espaço em sua vida para existir submetida, lutando para não se afogar em mar alheio.

Luana se encantou por outro rapaz de coração machucado. Sentiu as ansiedades do tempo que era do outro e continua exercitando permanecer em si, cuidando de sua própria vida e estando mais responsável pelo seu próprio prazer. 

As crises continuam indo e vindo. Luana ainda sente o vulcão ardendo dentro de si, mas a cada vez que se sente invisível, se descobre mais capaz de voltar para o corpo, de não permanecer no conflito, de perceber que no tempo agora aparecem flores e raios de sol, mesmo na dor.


E que sem pena nem glória pode aos poucos ressignificar os pensamentos que a assombram. Voltamos onde tudo começou, na arte da paz.



***

Paula Neves

Uma cidadã do mundo, amante das artes e eterna buscadora da verdade. Bailarina, desde criança encontrou na dança a espinha dorsal de como se expressa no mundo. A partir daí, em seu caminho já foi atriz, publicou um livro infantil, trabalhou com relações comunitárias em grandes corporações e com inovação social em uma ong de design.









Paula Neves

Paula é uma cidadã do mundo, amante das artes e eterna buscadora da verdade. Bailarina, desde criança encontrou na dança a espinha dorsal de como se expressa no mundo. A partir daí, em seu caminho já foi atriz, publicou um livro infantil, trabalhou com relações comunitárias em grandes corporações e com inovação social em uma ong de design. Paula não acredita em rótulos e em carreiras que duram a vida toda. Ela acredita na mudança como permanente fonte de aprendizado e na coragem como força motriz que nos impulsiona a experimentar o novo, a sair da nossa zona de conforto e a nos transformarmos.

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