Oceanos de Escuta
Escuta... abrir espaço em si para o outro, um entregar-se e acolher concomitante. É permitir-se afetar e ser afeto. É oceano onde derramo os rios que correm sobre os leitos dos meus olhos, tormentosas correntezas das minhas angústias. A escuta livre do outro é espelho que ressoa minha própria voz. Não necessita salvação, conselhos nem, tampouco, opinião. Só crê quem experimenta serena e potente conexão. É vazio no qual me preencho de mim mesma, em que me encontro, nos encontramos. É na presença entregue que nossos corações se unem numa só humanidade.
Essa escrita poética brotou em mim como reflexo de sensações que experimentei com a escuta empática. Entretanto, essa não é a realidade de nossas conversas cotidianas, mesmo nos momentos de maior vulnerabilidade e necessidade de apoio, certo?
Estava compartilhando com uma pessoa querida questões sensíveis - do meu ser, do meu estar, do meu processo de (des/re)construção - e entre uma vírgula e outra eu recebia suposições, julgamentos, conselhos. Percebi a intenção de me ajudar, na sua concepção do que seria o melhor caminho a seguir, embora eu não tivesse solicitado nada daquilo. E percebi algo além, aquela postura estava minando minha energia, minha entrega, minha vontade de continuar ali abrindo-lhe meu mundo secreto; aquele não mais parecia um abrigo seguro, o fio de conexão estava quase se rompendo. Pedi que escutasse o que eu tinha a dizer para, então, se manifestar e o que ouvi foi “conversar assim não é natural”. Precisei de muita (auto)empatia e (auto)compaixão para prosseguir naquela conversa.
Quando pensa em comunicação, o que te vem à mente - escuta ou fala? Alerto que sem a primeira a segunda pode se tornar mero despejar de informações sem qualquer potencial de vínculo. E não esqueçamos do silêncio – o desconfortável silêncio! - ele também comunica.
A escuta é um poderoso recurso de comunicação, construção de laços relacionais. A partir da intenção de criar conexão desperto minha curiosidade genuína e abro espaço dentro de mim para receber o que o outro confia em me entregar – percebe a preciosidade disso? Costumamos deixar desativada essa habilidade e invadimos o outro com nossos julgamentos e soluções sem darmos conta de que assim se afrouxa o laço, o corpo retrai, a voz emudece, a conexão se esvai. Palavras tornam-se barreiras à vazão do rio de emoções do outro. Ao contrário, a escuta atenta, presente, intencional, empática torna-se ponte, ponto de encontro – de cada uma consigo mesma e de umas com as outras, entramos em relação.
Ah, não basta ouvir quietinha e, em seguida, derramar todos os pensamentos rodopiantes da sua mente, viu. O sentido aqui é estabelecer para você a intenção da conexão, da presença, a escolha de ser um recipiente, não uma torneira. É desafiador, eu sei, eu sinto; também sei que é possível.
Então, não posso mais dar minha opinião? Claro que pode, ao mesmo tempo te convido a atravessar camadas inexploradas dentro de si e das suas relações por meio da escuta. Sua expressão não precisa ultrapassar o limite do outro, você pode questionar se naquele momento ele quer ouvir sua opinião, sua experiência numa situação similar ou de que forma ele gostaria que você o ajudasse. Percebe a diferença entre oferecer apoio com respeito e atropelar o outro com sua voz? Dessa forma, tornamo-nos oceano onde o outro pode desaguar suas correntezas, somos espaço de confiança para que ele apenas seja, esteja, do jeito que for. A escuta traz alívio, às vezes clareza ao emaranhado do outro; e, talvez, essa seja a principal ajuda que você poderá oferecer.
Como faço isso, Debora? Traga sua intenção e presença. Sua mente visitará pensamentos, conselhos tocarão a campainha, é o movimento natural. Ao notar esse devaneio, silenciosamente renove sua intenção original de conexão, de escutar, de receber o outro em você. É um processo vivo, não linear. Observe sua mente para que possa escolher conscientemente onde ela focará sua atenção.
Na escuta empática recebemos um tsunami e o traduzimos em maré mansa para que o outro se acalme, atravesse a bruma e adentre seu próprio oceano. Tornamo-nos espelho para o outro refletindo, com nossas palavras, sua história, destacando sentimentos e necessidades humanas[1], expressas ou submersas nas entrelinhas. Ao checar como ressoa para o outro o que foi compartilhado talvez nem tudo faça sentido e está tudo bem! O elo estabelecido entre vocês estará corporificado por essa experiência e as palavras serão como coordenadas que apoiarão o outro a se reintegrar e encontrar seu caminho.
Essa qualidade de escuta nos apoia na construção de relações profundas e verdadeiras, em que nos dispomos a acolher a vulnerabilidade do outro em momentos difíceis, quando buscamos uma real conexão, mergulhada na complexa inteireza do ser. Podemos acioná-la naquela conversa difícil com o filho, com a mãe, com o parceiro, quando percebemos a necessidade desse acolhimento, sem precisar transbordar sobre o outro nossas (questionáveis) certezas sobre a vida.
Despeço-me deixando as seguintes reflexões: que nível de conexão você quer estabelecer nas relações mais importantes da sua vida? Qual é a qualidade de escuta que você tem hoje nessas relações? Quanto espaço existe hoje dentro de você para receber o outro? Você encontra nessas relações abrigo seguro para mergulhar? O que você tem hoje espelha o seu querer?
—-
[1] Disponibilizamos listas com alguns sentimentos e necessidades humanas compartilhadas para apoiá-la nessa transformação. Acesse aqui
***
Debora Andrade
Aprendiz da vida, em constante (des/re)construção, praticante de yoga, meditação e trekking, energizada pela natureza, interessada em temas relacionados ao autoconhecimento, gestão das emoções, relacionamentos interpessoais e integração do ser humano com a natureza. Multiplicadora da Comunicação Não Violenta e mediadora de conflitos com ênfase em mediação familiar. Dedico-me a projetos que envolvam a construção de conexões humanas por meio da CNV, da mediação de conflitos e outras práticas que estimulem a autoconexão.
Nosso desejo sexual pode variar ao longo da vida e isso não é um problema. Dependendo da nossa rotina, da nossa saúde física e mental, da nossa idade, da nossa sensação de bem-estar, dentre outros fatores, podemos estar com maior ou menor libido, sem necessariamente ter algo de errado. Mas quando essas alterações se tornam persistentes e prejudicam a vida da pessoa, algo deve ser feito para reequilíbrio do organismo.