SER CALEIDOSCÓPIO: Reflexões sobre a comunicação interpessoal e a saúde da mente
Quando digo que a forma de comunicar afeta a saúde mental, estou afirmando que tanto quem comunica, quanto seus interlocutores podem ser afetados, para o bem e para o mal por aquilo que é dito, ouvido e sentido.
Não é difícil perceber que há conversas que nos nutrem e há aquelas que nos esgotam. Com um toque de spoiler: se nós sentimos, nós também provocamos este estado de segurança ou perturbação mental em nossos interlocutores.
O que faz bem e o que não faz bem tem raiz múltipla, desde o estilo de comunicação adotado, passando pelas condições de conexão e, por fim, definindo a qualidade dos relacionamentos – porque comunicação não é só o que sai da boca, é também o que entra nos ouvidos e se instala em nossas mentes e corações.
A boa notícia é que sendo a comunicação dinâmica e vivencial pode ser experimentada com a intenção de aprimorar-se e promover boas relações interpessoais e a preservação da saúde mental.
Vamos nos aprofundar: Estilo é o nosso jeito de falar, é a forma como nos comportamos em interação, incluindo a escuta, as expressões faciais e corporais, os gestos, também a curiosidade pelo outro, os hábitos, preferências e habilidades sociais. Reconhecer o próprio estilo de comunicação permite que sejamos mais confiantes, mais sensíveis e mais assertivos nas relações.
Parte do estilo provém da qualidade da escuta. Escutar atentamente é ter a habilidade que ajuda muito a desenvolver intimidade e confiança nos relacionamentos. É por meio da escuta que se atinge a percepção sobre o que gera empatia, compaixão e solidariedade.
Por outro lado, a linguagem corporal, o tom de voz e a expressão facial têm um papel preponderante na forma como somos percebidos, mais até do que as palavras que escolhemos, embora as palavras sejam altamente relevantes.
É como um caleidoscópio que se modifica em pequenos giros, mostrando a interdependência entre os cacos de vidros coloridos. Pode parecer só um detalhe, mas faz toda a diferença nos desenhos. Isto, aplicado à comunicação traz a possibilidade de identificarmos as causas de prazer e sofrimento. De acordo com a psicanalista Vera Iaconelli, “nós nos constituímos, adoecemos e curamos pela linguagem”. Nós somos o caleidoscópio.
Quando nos detemos apenas nas palavras, a semântica pode não evidenciar as intenções, as motivações e as consequências. No entanto, o impacto é forte e insidioso, com efeitos ruminantes e/ou ecoantes – raiva, mágoa, humilhação ou alegria, desejo, pertencimento.
Então, podemos concordar que comunicar é um recurso poderoso que precisa ser explorado com mais atenção e responsabilidade. É uma parte significativa do autoconhecimento (orgânico, mental e funcional)* e é fundamental para o interesse genuíno no outro, no coletivo. Certo?
Posto isto, nada é mais nosso que a nossa expressão para o mundo – os silêncios, as falas, os gestos, a postura e o reflexo dos nossos pensamentos, emoções e sentimentos – a nossa projeção, o manifesto de vida e as nossas relações como referência identitária provam que a saúde da mente não pode ser apartada da boa comunicação nem dos cuidados relacionais.
Contudo, isto ainda é muito negligenciado. Pouco se discute sobre esse tema e como agravante temos três obstáculos:
Globalmente, a comunicação interpessoal, isto é, entre pessoas, tem caráter elementar quando vista pelo senso comum, com pouca atenção e raríssimo investimento em conhecer e trabalhar para explorar suas potencialidades para o desenvolvimento psíquico e para as relações sociais. Olha-se muito para os distúrbios de comunicação e quase nada se faz pela conexão, pela sensibilidade contida na comunicação.
A educação ainda é tida por muitos como baseada em comando e controle, deste modo, impede a experiência plena da comunicação para o autoconhecimento e, por consequência, não se vê a comunicação como fator aliado à saúde mental. Basta buscar as definições e conceitos sobre o que é uma pessoa educada ou um estudante bem-comportado e mais adiante um profissional que sabe se comunicar em público. Os comportamentos são moldados, o padrão é rígido e incoerente quanto à diversidade, pensamento crítico, liberdade de expressão e, principalmente, com autenticidade e aceitação. É preciso desaprender essa educação e a reaprender novas formas de aprender e ensinar.
Para completar, as políticas de saúde em vigor são apegadas à ideia de combater doenças como estratégia para se ter saúde, quando na realidade, o importante seria considerar as medidas de promoção de saúde como prioritárias.
Além disso, vê-se a cultura de saúde com visão cada vez mais especializada das intervenções, que compartimentam corpos em microssistemas orgânicos e funcionais, dificultando que as pessoas sejam vistas em sua integralidade, como se fosse possível separar angústia e voz, respiração e medo, tensão física e stress, vergonha e mãos suadas.
Não dá, somos caleidoscópio, lembra?
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Daniela Cais
Mestre em Fonoaudiologia – Designer de Conexões, Consultora de Comunicação Interpessoal, Palestrante e Mentora.
*Autoconhecimento é quase sempre tratado como conhecimento comportamental, ligado às emoções, percepções e sentimentos. É preciso incluir o corpo, a fisiologia e o metabolismo nas investigações. Muitas vezes os reflexos e os sinais do corpo nos revelam necessidades e desejos. A complexidade humana precisa de compreensão integral.
Nosso desejo sexual pode variar ao longo da vida e isso não é um problema. Dependendo da nossa rotina, da nossa saúde física e mental, da nossa idade, da nossa sensação de bem-estar, dentre outros fatores, podemos estar com maior ou menor libido, sem necessariamente ter algo de errado. Mas quando essas alterações se tornam persistentes e prejudicam a vida da pessoa, algo deve ser feito para reequilíbrio do organismo.