Não faça morada na expectativa do outro
Ei, você já teve vontade de ser aceita pelas pessoas? Isso te traz a sensação de ser amada pelo outro? Já ouviu dizerem que você não deve buscar a aceitação dos outros, que o que vale é somente a aceitação de si mesma? Já sofreu por não se sentir aceita? Já se culpou por perceber que está buscando a aceitação dos outros?
E se eu te disser que está tudo bem você querer ser aceita pelas outras pessoas? Dá um alívio, né?! Pois é, pode ficar tranquila por aí porque a aceitação é uma necessidade natural de todo ser humano, é o que a Comunicação Não Violenta (CNV) chama de necessidade humana compartilhada.
A CNV nos convida a olhar para o mundo a partir da seguinte perspectiva: tudo o que fazemos é para atender a uma necessidade humana e essas necessidades - são diversas - são compartilhadas por todos nós. É como se as necessidades humanas fossem o combustível para nos sentirmos bem e termos uma experiência plena de vida. O que nos sinaliza se essas necessidades estão sendo atendidas ou não são os nossos sentimentos; sentimentos desconfortáveis indicam que precisamos dar mais atenção a alguma(s) necessidade(s), já os sentimentos confortáveis indicam que as necessidades estão satisfatoriamente atendidas. Ah, que fique claro desde já, cada um pode atender a essas necessidades de formas diferentes.
Somos seres sociais, interdependentes e temos necessidade de aceitação pelo outro, isso costuma nos trazer uma sensação de bem-estar, nos faz sentir amados, pertencentes. Portanto, pode afastar qualquer ideia de que é errado buscar isso nas suas relações. Ao mesmo tempo, é preciso cuidar de nós mesmos de maneira integral e equilibrar o nível de preenchimento dos tanques do nosso combustível vital.
Quando buscamos aceitação pelo outro é comum seguirmos o caminho de nos moldarmos ao que o outro pede de nós, ao que pensamos que o outro espera de nós, ao padrão que a sociedade determina que devemos ter, ainda que isso se manifeste no âmbito do inconsciente coletivo, através de modelos pré-definidos de comportamento e perfil físico construídos ao longo do tempo e impostos a nós de forma geral, autoritária ou até indireta. Para cabermos nesses moldes, imaginários ou concretos, muitas vezes nos reprimimos, nos anulamos, nos escondemos, a ponto de mutilar partes de nós que acreditamos que não são corretas, exatamente por estarem fora dessas expectativas e padrões – a crença por trás disso é que se mostrarmos essas partes erradas poderemos desagradar o outro e não seremos aceitas, nem amadas, não faremos parte, poderemos ser rejeitadas ou abandonadas. O perigo é que, com o tempo, podemos nos identificar com essas expectativas e padrões, acreditando que são nossas e naturalizando esse processo de emolduramento, ainda que nossas frestas estejam sangrando.
Esse processo sangra porque, ainda que essa estratégia sirva para atender a uma necessidade humana compartilhada - a aceitação - a estamos usando em detrimento de outras tantas necessidades que também são importantes para uma vida plena e para garantir nosso bem-estar. Algumas necessidades que vejo desatendidas por esse processo são autenticidade, integridade, liberdade, espontaneidade, escolha, autoconexão... a lista é enorme. Nesse momento nossos sentimentos entram em estado de alerta e sinalizam que há algo errado acontecendo internamente. Alguns sentimentos que podemos experimentar são tristeza, angústia, depressão, desconexão, solidão... a lista também é enorme. E por que isso acontece? Porque nos amputarmos para caber na caixa que o outro nos deu aniquila nossa essência. Esse é um lugar extremamente doloroso e nos puxa cada vez mais para baixo, esgota nossa energia e nossa vontade de viver – além de doloroso, é um lugar muito perigoso para nossa saúde mental, emocional e física.
Não nos moldarmos aos padrões e às expectativas do outro, expressarmos nossa verdadeira identidade nada tem a ver com sermos inflexíveis e sairmos por aí atropelando a tudo e a todos com a síndrome de Gabriela “eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim, vou ser sempre assim...”. Falo aqui sobre honrarmos nossa essência, olharmos com carinho para nós, abraçarmos nossa natureza, nossa verdade genuína, em todas as nossas formas, buscando sim uma evolução e uma adaptação ao que nos rodeia, porém de forma que respeite e mantenha nosso equilíbrio interno.
Há diversos recursos que podem nos apoiar no resgate da nossa essência e equilíbrio interno: diversos tipos de terapia, yoga, espiritualidade, resgate do feminino. A CNV também é um desses recursos e nos apoia de forma bastante prática e profunda, pois nos convida a refletir sobre nosso mundo interno em todas as nossas interações, na nossa relação conosco e demais pessoas com quem convivemos. Com relação a esse desequilíbrio que podemos experimentar quando buscamos a aceitação do outro, permita que a prática da CNV te guie pelo seguinte caminho:
a) identifique alguma situação em que você perceba que buscou (ou está buscando) a aceitação do outro e te gere desconforto, então observe seus julgamentos e crenças sobre você mesma, bem como cobranças, julgamentos ou rótulos que você ouviu dessa pessoa,
b) sinta como seu corpo reage (se há alguma tensão, palpitação, etc) e perceba os sentimentos que despertam em você,
c) caminhe um pouco mais para dentro de si e busque as necessidades que ficam desatendidas quando você age dessa forma – bingo! São essas necessidades que estão pedindo sua atenção,
d) agora reflita de que outras formas você poderia agir ou para quem poderia pedir apoio para que consiga cuidar de todas essas necessidades de forma mais equilibrada, respeitando a si, seus limites e também o outro.
Você pode se identificar com os sentimentos e necessidades que eu trouxe como exemplos anteriormente, entretanto, não se prenda a eles, mergulhe dentro de si e desvende suas profundezas. Recomendo que faça esse exercício ainda que você não consiga identificar uma situação específica, mas perceba um desconforto dentro de si de maneira ampla, pois essa sensação torna-se comum quando fincamos nossa morada na caixa alheia por muito tempo; aos poucos essa auto-observação vai te ajudar a identificar as situações ou relações mais estimulantes e nocivas.
É de Albert Einstein a célebre frase “nenhum problema pode ser resolvido pelo mesmo estado de consciência que o criou”. A busca por uma expansão da nossa consciência sobre nós mesmas é a chave para mudar essa rota. Não se trata apenas de olhar para nossa relação com o outro, tudo começa a partir de nós. Rotas muito similares ao antigo caminho que percorríamos surgirão na travessia e desbravaremos mares nunca antes navegados; por isso buscar apoio é muito importante e recursos como a CNV são nossos tubos de oxigênio para ganharmos fôlego durante esse mergulho, além disso, também funcionam como um mapa que nos ajuda a lembrar qual é o destino aonde queremos chegar.
Por diversas vezes me deixei encaixotar e me entregar ao processo de autoconhecimento me trouxe uma sensação de liberdade muito intensa. Traz autorresponsabilidade também, pois nós somos responsáveis por cuidar de nós mesmas (lembre-se, você pode pedir ajuda!) e demanda esforço olharmos e despertarmos partes de nós que deixamos adormecer. Ao mesmo tempo, vejo como um processo lindo de (re)conhecermos e nos apropriarmos de nós mesmas, de rasgarmos as caixas que nos aprisionavam e nos manifestarmos no mundo a partir do nosso lugar e não do lugar em que os outros quiseram nos colocar.
Talvez algumas pessoas não queiram nos acompanhar nesses novos caminhos por eles não se encaixarem mais em suas expectativas, talvez nós escolheremos novas companhias para seguir viagem - e está tudo bem! A vida é feita de ciclos, de chegadas e partidas. Nós somos capitãs de nossas embarcações e sempre poderemos escolher para onde navegar e onde queremos nos ancorar. Essa é a força da nossa pura essência!
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Disponibilizamos no site uma lista com alguns sentimentos e outra com algumas necessidades humanas universais para apoiá-la nessa descoberta.
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Debora Andrade
Aprendiz da vida, em constante (des/re)construção, praticante de yoga, meditação e trekking, energizada pela natureza, interessada em temas relacionados ao autoconhecimento, gestão das emoções, relacionamentos interpessoais e integração do ser humano com a natureza. Multiplicadora da Comunicação Não Violenta e mediadora de conflitos com ênfase em mediação familiar. Dedico-me a projetos que envolvam a construção de conexões humanas por meio da CNV, da mediação de conflitos e outras práticas que estimulem a autoconexão.