O mercado de trabalho e o papel das empresas na luta LGBTQIA+

No mês de junho comemoramos o Mês do Orgulho LGBTQIAP+ vocês já devem ter visto muitas empresas mudando suas cores da sua logomarca, realizando campanhas de comunicação com amplos investimentos e grande visibilidade. Mas será que efetivamente esses posicionamentos ganham status quando olhamos para as políticas internas dessas empresas?

A sociedade hoje é estruturada sob ideologias patriarcais, heterossexistas e racistas e tais opressões geram desafios estruturais que precisam ser enfrentados na busca por uma sociedade mais diversa, inclusiva e igualitária. 


“importante a se considerar nessa “ordem” hierárquica, que é a heteronormatividade, ou seja, a obrigatoriedade do sistema heterossexual de organização social. Certamente, os homens brancos (não negros) e heterossexuais possuem muito mais privilégios do que o outro lado extremo dessa estrutura de desigualdade: a mulher negra, lésbica e pobre. Assim a dimensão da orientação sexual, nessa sociedade que também é heteronormativa, engendra opressões, inclusive no interior da mesma classe. Por exemplo, um homem pobre e heterossexual possui muito mais respeitabilidade do que um homem pobre gay. Contudo, um gay rico ainda que, certamente, sofra opressões, elas são diferenciadas das que sofre um gay pobre. Mas do que isso, um homem gay rico possui determinados privilégios oferecidos pela sua condição socioeconômica que um homem pobre heterossexual não possui. Tudo isso sem falar nas diversas possibilidades que a sexualidade humana possui e nos permite ter, mas que a sociedade patriarcal e heteronormativa condena. Em outras palavras, no interior do campo dos “transgressores” da heteronormatividade, existem desigualdades e preconceitos mais acentuados para alguns, como por exemplo, para as travestis (ÁLVARO, 2013, p. 50).



Os dados disponíveis no Brasil sobre o público LGBTQIAP+ estão distantes de representar com clareza o perfil dessa população. O IBGE não faz qualquer tipo de pergunta específica sobre orientação sexual e identidade de gênero, incluindo as classificações do público LGBTQIAP+. Isso dificulta a construção de políticas públicas e cenários efetivos de mudança. 

De acordo com pesquisas independentes, como da ProSex (Programa de Estudos em Sexualidade) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo realizada em 2008, 10% da população brasileira, cerca de 20 milhões de pessoas, se autodeclaram gays, lésbicas ou bissexuais. Já dados mais recentes da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – a Unirio –  de 2020 sobre os LGBTQIAP+s no trabalho, relata que 50% das pessoas não declaram a sua sexualidade no ambiente de trabalho por receio de represálias. O estudo também reforça que 35% daqueles que se assumiram no local de trabalho, sofreram algum tipo de atitude discriminatória (velada ou não). 

A diversidade no ambiente das empresas contribui para melhores práticas no negócio, liderança mais efetiva tendo como consequência colaboradores/as mais felizes, uma melhor saúde organizacional gerando melhores resultados financeiros e de imagem.

Dados da consultoria McKinsey de 2020 reforçam que empresas com estratégias de diversidade e inclusão tem 21% mais chance de melhores resultados nos negócios. 

Com as possibilidades de impacto positivo no negócio colocadas à mesa, precisamos enfrentar os desafios que são as posturas muitas vezes veladas aos quais os contratantes colocam o público LGBTQIAP+. 

Em pesquisa da Love Mondays , 66% dos profissionais LGBTQIAP+ acreditam que assumir sua identidade de gênero e orientação sexual pode prejudicar suas carreiras.  62% desses profissionais reforçam que não buscariam empresas que não apoiassem a causa LGBTQIAP+. Com isso concluímos que as empresas tem perdidos grandes potenciais de mercado, pela discriminação de suas posturas. 

A tabela demonstra de forma simples as principais atitudes de discriminação que são aplicadas no ambiente de trabalho

Um aspecto bastante relevante que deve ser considerado no momento de contratação de pessoas LGBTQIAP+ é que as barreiras diferem de forma considerável aos diversos segmentos da comunidade. As pessoas trans, por exemplo, hoje no Brasil trabalham 90% com o mercado do sexo (Associação Nacional de Travestis e Transexuais - Antra). Além disso, a falta de acesso a estudo e o enorme preconceito a essa comunidade, dificulta ainda mais a entrada no mercado de trabalho. 

Desta forma, a garantia de um ambiente de trabalho seguro, diverso e inclusivo é essencial para a contratação do público LGBTQIAP+ de forma efetiva, e que a pessoa sinta-se segura para poder ser ela mesma no espaço que escolheu para trabalhar. Para isso, tornar-se estratégico algumas dicas: 

  • que a empresa realize um censo de diversidade interno, possibilitando entender o seu cenário interno de desafios e potenciais estratégias. Começar de dentro para fora é uma excelente forma de visualizar se dentro do seu público interno, já existam pessoas da comunidade LGBTQAIP+ que não se sentiram à vontade para se posicionar internamente; 

  • que a empresa abra espaço para diálogo interno com seus/suas funcionários/as é uma importante forma de ampliar o sentido de pertencimento no ambiente de trabalho, e acima de tudo que essa inclusão está sendo realizada por todes. A construção de um grupo de voluntários para levar a agenda internamente é uma boa forma de iniciar; 

  • o papel da liderança das empresas é fundamental para que as ações ganhem solidez e sejam desenvolvidas por todes internamente. Acreditar na diversidade como uma política da sua empresa, passa pelo exemplo e atuação dos seus líderes; e

  • estruturar canais efetivos de denúncia e políticas de tolerância zero com atitudes discriminatórias deve ser um dos primeiros passos aos quais as empresas devem levantar junto às suas práticas com todos os seus públicos de interesse. 

As empresas precisam entender o seu papel de fomentadoras de espaços de respeito, acolhimento, afeto e combate a violências. A busca por uma sociedade mais justa e inclusiva passa pelo entendimento que nós como indivíduos temos um papel fundamental na ampliação dos direitos humanos na sua essência. A orientação sexual e a identidade de gênero não devem nunca serem vistas como uma restrição ou limitação para que tenhamos respeito uns pelos outros. No dia a dia de um ambiente corporativo, muitas vezes competitivo e hostil, essa postura acaba se perdendo. Para isso, as empresas devem construir o seu posicionamento e espelhar suas atitudes em ações éticas e de acolhimento à diversidade. Seja ela sexual, de gênero, de raça, geracional ou religião. 

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Luiza Proença 

CEO e Fundadora Potência.Diversa  

A Potência.Diversa é uma consultoria que busca fomentar a criação de uma nova cultura organizacional, mais diversa, equitativa e inclusiva, em parceria com empresas, organizações e a sociedade. E para isso empodera lideranças e pessoas na construção de soluções que transformem seus espaços de trabalho e a sociedade. 

Fontes:

MEDEIROS, M. O trabalhador homossexual, o direito à identidade sexual e a não discriminação no trabalho. Porto Alegre: Nuances, 2007.

Menezes, Moisés. LGBT E MERCADO DE TRABALHO: UMA TRAJETÓRIA DE PRECONCEITOS E DISCRIMINAÇÕES. 2018

Associação Nacional de Travestis e Transexuais - https://antrabrasil.org/ 

Revista Exame - https://exame.com/carreira/para-66-dos-profissionais-lgbt-se-assumir-pode-prejudicar-a-carreira/ 

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