Conexão como condição para a vida

O mês de Setembro é marcado pela campanha de valorização da vida e prevenção  ao suicídio intitulada Setembro Amarelo. No antigo calendário romano Setembro era o sétimo mês, e daí recebia seu nome. Para alguns povos gregos chamava-se Boedromio, dado que era o mês de celebração das boedromias, que por sua vez eram as festividades em celebração a Apolo. 

Foto: Foto: Aneta Pawlik / Unsplash

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Como divindade identificada pelo Sol e pela luz da verdade, Apolo representava também a Harmonia, o Equilíbrio e a Poesia. Era o deus da morte súbita, mas também o da cura e proteção que intercedia pelos seres humanos. 

Posteriormente, no sincretismo religioso judaico-cristão-islâmico, foi associado à figura de São Miguel Arcanjo. A palavra anjo, derivada do grego, significa mensageiro, sendo o prefixo Arch uma atribuição de superioridade. O Arcanjo Miguel era o anjo supremo, líder triunfante do exército de Deus contra as forças do mal no Apocalipse. A tradução literal do nome Miguel, em hebraico, gera a pergunta “Quem como Deus?”, uma pergunta-afirmação, que em realidade nos provoca a respeito do deus que habita em cada um de nós. 

No candomblé faz-se uma analogia da figura de São Miguel Arcanjo à Exu, orixá da comunicação, guardião das casas e aldeias, do comportamento humano e do próprio axé, energia de sustentação da vida na cultura de origem africana. A tradução do nome Exu em Iorubá significa “esfera”, e pode ser compreendida como movimento, sendo essa divindade associada também à dança e à sensualidade, responsável pela comunicação entre o mundo espiritual e o mundo material. Através da representação da vida em movimento Exu é tido como o mais terreno das divindades, com características semelhantes aos próprios seres humanos em suas oscilações e dualidades de comportamento. Movimento no corpo, na mente e nas ações. 

Para Albert Camus, célebre representante da literatura Existencialista, responder se a vida vale ou não ser vivida seria a única questão real da filosofia, sendo todas as demais secundárias.

Pois bem, caso o leitor tenha acompanhado a leitura até este ponto esperando um desfecho revelador, sinto declarar que não tenho esta resposta pronta e muito menos tenho a certeza de que exista uma única resposta que dê conta de apaziguar o infinito de motivos que levem os seres humanos a abandonarem ou a tirarem as próprias vidas. Sim, porque por mais socialmente chocante que o seja, o suicídio muitas vezes é apenas mais um passo (derradeiro e inexplicável) para aquele que já desistiu de viver. Se conseguirmos nos livrar das várias camadas de interpretação acerca do suicídio, chegaremos ao osso de uma decisão. Em outras palavras, compreenderemos os motivos para o ato. 

É neste ponto que acredito que, desde Apolo, passando por Miguel, Exu, Camus, ou outras várias referências que poderiam ter sido relacionadas nesse texto, a história do ser humano apresenta semelhanças. Ao mesmo tempo que repetidamente nos deparamos com a dúvida da existência, simultaneamente nos incumbimos nós mesmos de criar fontes de renovação da vida de uma perspectiva filosófica, mas com aplicações bastante mundanas e palpáveis no cotidiano. Apolo é, por exemplo, o deus da poesia que nos renova e simboliza o próprio Sol em seu ciclo de renascimento. O Arcanjo Miguel, com seu mote provocador, tem a intenção de fazer com que nos reconectemos a nós mesmos, propósito original da Religião (do latim: religare). Exu está nas coisas mais terrenas e nos lembra do comunicar e das conexões. 

Cada suicídio nos deveria ensinar mais sobre a frágil trama do tecido da vida, e, principalmente, nos fazer lembrar que somos mais um fio num emaranhado de fios que sustenta o manto da humanidade. Cada um de nós é parte de um todo a ser cultivado. O que você tem cultivado? 

P.S.: Segundo um recente relatório da OMS, a taxa de suicídio entre jovens indígenas no Brasil é mais que o triplo da média nacional. Uma epidemia de suicídios entre os mais jovens, dentre o povo que melhor simboliza a conexão da vida e da natureza. Que possamos aprender. E agir rápido.

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Felipe Futada

Professor de Educação Física (USP) e trabalha em escolas da rede particular de São Paulo e em cursos de formação de professores.

Felipe Futada

Professor de Educação Física (USP) e trabalha em escolas da rede particular de São Paulo e em cursos de formação de professores. Atua também como instrutor/terapeuta de Ashtanga Yoga e Lian Gong em 18 Terapias, Reeducação do Movimento (Método Bertazzo), Shiatsu e Auriculoterapia. É ainda autor do livro de poesia Foco no Todo (Ed. Riemma, 2017). Atualmente é Pós-graduando em Gestão Emocional pelo Hospital Albert Einstein, no programa de formação de instrutores do programa CEB (Cultivating Emotional Balance). Tem como um de seus principais objetivos de vida ocupar os interstícios, físicos e discursivos, com a experiência direta do Corpo.

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