Propósito de vida: cuidado ao usar
Qual o seu propósito de vida? Qual a sua missão?
Este tem sido um tema recorrentemente explorado: propósito de vida. Frases de efeito em posts caprichadamente desenhados, com fotos inspiradoras, pipocam pelas redes sociais.
Um tema tão nobre, profundo e ao mesmo tempo abstrato seduz e ao mesmo tempo inspira.
A questão é: do que exatamente estamos falando quando falamos sobre propósito de vida? Esta palavra, propósito, me traz à mente: utilidade, motivo, razão. Qual o “porquê” da vida?
É como se a vida precisasse de um manual de instruções sobre como e para que usar. Ou seja, a vida parece um meio para algo que está fora dela. A vida como uma ferramenta, um veículo, para o atingimento de algo. Esse algo seria o seu propósito. “ Eu vivo para ...”. “Meu propósito, minha razão de viver é...”
Afinal se todos têm um propósito, eu também preciso encontrar o meu. É como um smartphone de última geração, um perfil no instagram, um labrador ou um abdômen tanquinho. Eu TENHO que ter um propósito para chamar de meu.
E mais importante ainda: divulgar para todos, de forma inspiradora e colorida. Não pode ser um propósito “chinfrim” não.
Vamos olhar um pouco o outro lado da moeda. Se de um lado temos a exploração do propósito da vida nas redes sociais como algo inspirador, motivacional, “papo de coach”, etc, de outro lado temos a angústia de quem não consegue responder com clareza, ou muitas vezes não consegue uma resposta igualmente inspiradora, grandiosa, à pergunta: qual o meu propósito de vida?
Outra pergunta: a vida precisa mesmo de um propósito maior, nobre, colorido, vistoso, para ser melhor? Quem disse?
É como se não bastasse termos um carro. Ele precisa ser equipado com rodas e som de última geração. O carro por si só não basta...não tem sentido...ou pelo menos, dizem por aí que não.
Em minha formação em Coaching Ontológico tive meu primeiro contato com aquilo que viraria uma paixão: a Filosofia. Dentro da filosofia ocidental conheci duas importantes vertentes de pensamento. A primeira delas é a vertente da Transcendência.
De maneira superficial e limitado ao meu pouco conhecimento, basicamente a linha da Transcendência nos diz que existe algo melhor além da vida mundana que vivemos aqui. Um exemplo é o mundo das ideias, pensado por Platão, mundo este onde somos seres pensantes, sábios, e não somos atrapalhados pelos nossos instintos e emoções. Lá é melhor que aqui, e nosso propósito, objetivo de vida, é caminhar em direção a este estado de “perfeição”, a este mundo “ideal” (prestem atenção à esta palavra e como ela pode ser criadora de angustia e culpa...mas isto fica para um próximo texto).
Nada mais perfeito e ideal do que as frases de propósito e de missões de vida que pipocam por aí hoje em dia. Deem uma olhada e verão frases como: “Meu propósito é ajudar pessoas à...”. “Minha missão é revolucionar o...”. E por aí vai.
Até hoje não encontrei nenhuma frase de propósito que dissesse algo como: “Meu propósito de vida é ter uma vida mansa e estável”. Ou “meu propósito de vida é ser o mais rico e poderoso que eu puder”. Ou então...”a minha missão na vida é não fazer nada e ficar de preguiça enquanto eu puder...”
São praticamente peças de marketing pessoal. Alguma semelhança entre estas frases e os sábios que habitam o mundo das ideias?
Em resumo, hoje eu vejo o tema propósito ser tratado como item de ostentação, quase decorativo e de cunho motivacional. Além disso, pressupõe que a pessoa tenha somente um único propósito, para o resto da sua vida. E ai de quem não encontrou o seu ainda...
O que me brilha os olhos é a segunda linha filosófica que tive contato: a linha da Imanência. Igualmente de modo superficial, e limitado ao meu parco conhecimento, esta linha filosófica procura lidar com o aqui e agora. A vida é aquilo que nos acontece constantemente, e não existe nada fora da vida.
Neste modo de pensar, não existe uma busca por um mundo da razão, pois para a imanência razão, emoção e corpo andam juntos. Não existe uma pessoa somente racional ou somente emocional. Somos seres integrais em um constante viver.
Neste contexto, o propósito da vida é: a vida. Linda, complexa, assustadora e acolhedora, prazerosa e dolorida, com sonhos e pesadelos. Tudo isto, ao mesmo tempo e agora.
A beleza que eu enxergo neste modo de pensar é uma maior liberdade para “irmos sendo” quem somos, com potencial para sermos quem quisermos e pudermos ser.
Hoje posso querer ter um propósito diferente da semana passada. E está tudo bem.
Estou em constante viver, fluindo como um riacho, e um riacho nunca é o mesmo. Eu também não sou e não quero ser o mesmo. Não tenho como ser o mesmo, fixo, estático. Isto está fora do meu controle, aliás como quase tudo que existe.
E como eu enxergo a temática do Propósito com as lentes da filosofia da imanência? Da seguinte forma: eu posso construir vários propósitos para a minha vida, quando eu quiser e da forma que eu quiser. Se eu quiser. E está tudo bem.
Hoje, meu propósito foi escrever este texto, com razão e emoção. Tudo junto e misturado. Amanhã já é outro dia.
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Coach ontológico, pós-graduado em Finanças pelo Insper e executivo do mercado financeiro.