Sobre a violência doméstica
O número de casos de violência doméstica reportados para a polícia aumentou 5 vezes durante o isolamento social. Um problema antigo, que ganhou mais atenção com a pandemia, traz sempre a pergunta: o que desperta tanta violência?
O agressor, devido a questões do próprio psiquismo, não reconhece ter ferido o outro, por isso o ciclo segue. Assim como a vítima, por inúmeras questões psíquicas se mantém naquela relação.
Argumentos perversos são dados como tentativa de justificar tais atos, assim a violência parece um benefício para "educar" o outro, seja mulher, filhos… "Você quem me fez fazer isso" é uma fala clássica!
A realidade do agressor parece distorcida por isso é comum um ciúme delirante, inveja, sentimentos de exclusão, delírios... Uma série de artifícios são criados para não reconhecer a violência.
Quando a dor gerada pela culpa, remorso e arrependimento, beira o insuportável, é atacada a capacidade de sentir e perceber (tornamo-nos insensíveis, nos cegamos, tapamos nossos ouvidos), tanto a vítima como agressor, e isso gera um movimento ainda mais drástico, transformando a verdade em onipotência, arrogância e hipocrisia. Esquecer, como com certa amnésia, pode também ser uma estratégia de sobrevivência quando a dor é insuportável.
Se há um esquecimento, a possibilidade de pensar no que ocorreu e aprender com a experiência é atacada, por isso, o ciclo segue, assim como funções psíquicas ligadas ao aprendizado, imaginação, sonho e pensamento.
Aos poucos a vida vai se empobrecendo e acabam se tornando mais esperançosas as ações mais agressivas e ativas, do que a amnésia e o retraimento. Há quem grite por socorro, busque ajuda, conte para alguém, enquanto outros simplesmente calam, aceitam e seguem aceitando, acuados.
Nessa perspectiva podemos pensar que a violência doméstica aponta não só para uma dinâmica de privação e traumas mas, para uma falta de experiências emocionais que proporcionem um bom desenvolvimento psíquico.
A violência doméstica aponta para uma profunda incapacidade de seus membros para viverem as emoções e pensar sobre elas, afinal não há comunicação, nem troca, só descargas.
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Mariana Pavani
Psicóloga clínica, atua em consultório particular em Campinas-SP. Fez especialização e cursos livres em psicanálise. Sempre gostou muito de ler e é curiosa, o que a levou a escrever alguns textos e criar blogs desde cedo. No início na clínica, escrever foi algo que a ajudou e ainda ajuda, pois a mantém estudando e além de facilitar a comunicação com pessoas sobre variados temas.