Autonomia corporal: seu corpo te define?
Você sente que se tiver um corpo perfeito tudo será mais fácil? Novos caminhos se abrirão, não haverá mais preconceitos ou julgamentos e você será mais feliz? Este é um sentimento muito comum, mas será que é real?
Sabe quando você vai numa loja comprar uma roupa e nada lhe serve? Você sabia que isso é uma maneira que a sociedade tem de controlar o tipo de corpo que você precisa ter? Ou quando todas as propagandas são feitas por mulheres de corpos esculturais e que você não consegue identificar-se? É outra maneira de dizer, nas “entrelinhas”, que você não está adequada ao que o mundo propõe.
Mas, você já se perguntou o porquê isso nos influencia tanto?
Porque nós, seres humanos, homens ou mulheres, somos sociais, e não conseguimos viver em isolamento. E para vivermos em grupo precisamos ser aceitos pelo grupo. Uma maneira que nossa cultura seleciona pessoas, para participar de grupos, é exatamente a aparência que possuem, o que vestem, como se comportam.
São determinações veladas, ou seja, como se fossem exigências que devemos cumprir para participar de determinado grupo. Note que essas questões não são claramente expostas, mas são facilmente percebidas quando olhamos um grupo e percebemos que o tipo de vestimenta é muito semelhante, ou os hábitos alimentares, lugares que frequentam e etc.
Agora qual a influência que isso lhe traz? Você consegue perceber?
Uma primeira influência pode ser positiva, no que se refere a hábitos saudáveis de cuidados com sua saúde e alimentação. Fazer parte de um grupo de pessoas que, frequentemente, se exercitam e que comem alimentos adequados pode beneficiar muito sua saúde.
Entretanto, nosso foco hoje é o aspecto negativo que essa influência traz para sua vida.
À medida que você começa a observar que outras pessoas valorizam uma silhueta corporal, e você convive com esse grupo, será necessário que, para se manter no grupo, você também demonstre as mesmas preocupações. Assim sendo, a saúde e o bem estar deixam de ser os principais itens a se preocupar, transformando nossa relação com o corpo em mercadoria.
Coisificamos nosso corpo - como se fosse um objeto - e começamos a desejar que ele seja moldado de acordo com os preceitos ditados. E veja, que não é somente o grupo ao qual você pertence que pode dizer isso, mas também a mídia e seus modelos de felicidade. Já percebeu como a maioria das propagandas apresenta mulheres felizes, magras e saradas? Isso significa que mesmo que eu compre aquele produto, se eu não for magra, não terei o mesmo sucesso? É a mensagem que fica para nós.
Vamos refletir sobre o que temos para enfrentar:
O grupo que aceita bem uma pessoa, que corresponde ao seu modelo de beleza, não responde tão bem àquela mais gordinha;
As propagandas vendem uma ideia de corpo perfeito atrelado à felicidade, reforçando essa exigência do grupo;
Clínicas, cirurgias, mudanças corporais são apresentadas de forma tão mágica e simples, que viram programas de TV e são acompanhadas da promessa (ilusória) de que, se transformarmos aquilo que nos incomoda em nosso corpo, nossa vida vai mudar para melhor;
O papel depositado sobre a mulher é de que deve ter cabelos brilhantes e fortes, olhos realçados pela maquiagem, pele de pêssego, corpo escultural, além de cuidar dos filhos, da casa e, muitas vezes, do sustento da família;
A cultura de que uma mulher sexy deve apresentar um corpo curvilíneo e, assim, poderá manter sua relação afetiva feliz e evitar traições – mas a ausência disso significa solteirice;
Há uma quantidade impressionante de aplicativos, que utilizam filtros para “melhorar” a aparência, para que você se senta mais segura em postar suas fotos nas redes sociais, ou mesmo no perfil dos aplicativos de relacionamento; porque fotos sem filtro podem parecer simples demais e levar desvantagem na hora de ser escolhida;
Em nosso perfil de redes sociais sempre há lugares para fotos e tudo o que postamos é extremamente julgado – seja para elogios ou críticas. Experimente mudar a foto do seu perfil para ver...
Os padrões estéticos cada vez mais divulgados e rigidamente estabelecidos, reforçam a ideia daqueles grupos dos quais desejamos participar – pois precisamos nos sentir aceitas para ser felizes.
Enfim, poderíamos eleger mais dezenas de itens para pensar, mas o importante aqui é alertar para o quanto estamos nos entregando a estes controles e que, quando não conseguimos corresponder ao estabelecido, nos tem trazido prejuízos emocionais significativos.
Estamos dedicando tempo, esforço, dinheiro, arriscando vidas para cumprir um modelo que é irreal e inalcançável.
Então a pergunta que lhe deixo é: realmente é disso que você quer participar?
Esses são os seus reais valores – a aparência? E se não são, por qual motivo você tem feito tanta questão de participar desses grupos?
Sucumbiremos ao controle da sociedade sobre nossos corpos, ou teremos plena consciência de nossos valores e dedicaremos nossa energia para conquistar o que realmente importa para nós?
A escolha é sempre sua!
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Erika Scandalo
Especialista em Psicologia Clínica Comportamental, produz conteúdo sobre a vida e como aproveitá-la de diferentes formas. Acredita que a felicidade é consequência de uma visão proativa sobre as dificuldades. Ser feliz é mais um olhar sobre o que se é, do que ter tudo o que se quer.
Neste mês das mulheres, em que refletimos sobre o nosso papel em sociedade, uma pergunta me fez pensar sobre o nosso estado emocional, em que muitas de nós se percebe em solidão e clamam por uma companhia.