Onde há vontade, há um caminho
Enquanto eu assistia à ficção científica e sátira política Não olhe para cima (1), um segundo filme se passava na minha cabeça, cujo enredo surgia dos paralelos que eu fazia da situação dos astrônomos pesquisadores com a de lideranças em algumas organizações, na busca por uma escuta de qualidade.
Na perspectiva dos astrônomos, confiantes na precisão de seus estudos e cálculos, não havia margem de dúvida em relação às consequências da iminente colisão de um enorme cometa com o planeta Terra. E por essa razão, também confiantes de que receberiam a atenção dos que detém o poder de mobilização.
Muitas horas de espera em contraste com o movimento do cometa. A angústia de quem enxerga desdobramentos em contraste com a demagogia de quem escolhe olhar em outra direção, a lógica de um e de outro entram em colisão.
De um lado o espanto de quem vê a situação tomar um rumo totalmente inesperado enquanto se esforça por se fazer entender, e de outro, quem entendeu muito bem a situação, mas olhou para a oportunidade de ganhar no jogo político e na manutenção do poder.
Muitas organizações se empenham na realização de pesquisas, coleta, organização e análise de dados, mas apesar do custo financeiro, de tempo e da inteligência de profissionais especializados no assunto serem relevantes, nem sempre os resultados obtidos são considerados confiáveis ou consistentes o bastante para promover mudanças de rota.
Agir sobre o que é conveniente ou sobre o certo a fazer? Como fazer omeletes sem quebrar os ovos? Não podemos continuar iguais e esperar que as coisas mudem.
A frustração, sensações de incompetência e impotência, são familiares a muitos profissionais que se empenham em subsidiar decisores com dados minuciosamente colhidos, revisados e testados.
Em contraste, penso na satisfação e senso de realização daqueles que de alguma forma fizeram parte das mudanças anunciadas, que incansavelmente foram capazes de extrair significado dos dados de suas pesquisas e gerar informações irrefutáveis.
O Janeiro Branco de 2022 mobilizou a sociedade a tomar conhecimento da oficialização da Burnout como doença ocupacional. A Síndrome do Esgotamento Profissional (burnout) é descrita como “estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso” (11ª versão da Classificação Internacional de Doenças - CID-11) (2).
A oficialização é uma resposta clara e consistente à urgente necessidade de revisão nas condições, relações e dinâmicas de trabalho. O primeiro passo tendo sido o reconhecimento, em escala global, da existência do problema.
O momento pede agilidade de respostas, na forma de ações concretas que possam aliviar a intensidade e frequência de sensações de frustração, incompetência e impotência, que acabam por promover experiências de esgotamento, como a dos protagonistas da ficção. Filmes como Não olhe para cima nos fazem relembrar aquela frase sobre a arte imitar a vida.
As cenas em preto e branco do filme Tempos modernos de Charles Chaplin, não ficaram tão para trás como gostaríamos de acreditar. O posicionamento da sociedade é por mudanças que ultrapassem um colorido bonito ou sofisticação no maquinário.
Ainda bem que nem todos os que exercem influência por ocuparem cargos de liderança, pulam etapas correndo o risco de serem devorados por um emplumado Brontaroc (se você não assistiu ao filme talvez aqui tenha um spoiler).
Temos uma grande oportunidade para mudanças relevantes. A missão é desafiadora, coisa para aqueles que olham para cima, escolhem resolver os problemas, ainda que inesgotáveis, orgânicos, variantes, para usar um termo que se tornou tão familiar a nós nos últimos tempos.
E vamos lá. Onde há vontade, há um caminho (3).
1- Filme Netflix, roteiro e direção de Adam McKay, 2021
2- A CID 11 caracteriza a síndrome burnout por três elementos: sensação de esgotamento; cinismo ou sentimentos negativos relacionados ao trabalho; e eficácia profissional reduzida (Organização Mundial da Saúde [OMS], 2019).
3- Provérbio Inglês (Where there is a will, there´s a way).
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Marcia Moura
Psicóloga, curiosa por diferentes saberes e perspectivas, tem dificuldade de responder sucintamente à pergunta “o que você faz?”. Interessada por pessoas, que são um mundo que se revela a cada encontro e transformam a quem se deixa afetar. Gosta de pensar junto, criar e realizar junto, de ser par, ser parte. Há muito se dedica a cultivar sementes, sempre com a convicção de que irão, cada uma a seu tempo e no tempo possível, viver e expressar sua singularidade.
Nosso desejo sexual pode variar ao longo da vida e isso não é um problema. Dependendo da nossa rotina, da nossa saúde física e mental, da nossa idade, da nossa sensação de bem-estar, dentre outros fatores, podemos estar com maior ou menor libido, sem necessariamente ter algo de errado. Mas quando essas alterações se tornam persistentes e prejudicam a vida da pessoa, algo deve ser feito para reequilíbrio do organismo.