Sobre lucidez, influência e saúde mental

Pensar e escrever sobre nossa saúde mental no Brasil de 2021 é algo que conseguimos fazer com conhecimento de causa. Me sinto às vezes em um oceano raivoso, com tubarões famintos, raios e trovões, e sem saber direito quem comanda o barco. Aliás nem sei se estou em um barco mesmo ou em uma garrafa em alto mar. No Brasil, nossa saúde mental tem que matar um leão por dia, como diz o dito popular.

Estamos no meio desse momento histórico muito difícil e, por mais que doa, precisamos juntar forças, nos segurar onde der, junto com quem der, elaborar sobre o que tem nos acontecido para, quem sabe, amadurecer e ter mais lucidez.

Nathan Dumlao/ Unsplash

Eu gosto muito dessa palavra: lucidez. Junto com a sensatez, são as palavras que incorporei no meu vocabulário recentemente. Quando cumprimento algum amigo pelo seu aniversário, desejo saúde e lucidez. Acho uma combinação potente, um bom canivete suíço para a vida.

E se tem um momento em que a matéria prima é farta para o exercício de lucidez, é este que estamos vivendo hoje. Polarização, movimentos anticiência e antivacina, fake news, terraplanismo, excessos do politicamente correto, auto projeções narcísicas e instantâneas nas redes sociais, dancinhas em aplicativos, aquecimento global, negação de aquecimento global, desemprego, inflação, eleições... Ingredientes não faltam. 

Mas eu acho que, no final das contas, a lucidez é algo que precisa ser exercitada. Se você não fizer nada, se deixar levar pela inércia, acho que tem grandes chances de envelhecer sem lucidez. Que tristeza!

E por lucidez não me refiro quando ficamos surpresos ao ver que nossa avó de 90 anos lembra da gente, conversa e toca piano. Não me refiro à essa lucidez, apesar de muito boa também.

A lucidez que acho urgente praticarmos e vivermos é da ordem da reflexão, da maturidade, da ponderação. Doses de bom senso.

A lucidez pode estar a serviço de um olhar mais maduro para a vida, que eu acho que pode sim, em certa medida, contribuir para a nossa saúde mental. 

Claro, o tema é complexo e tem gente que se sente muito bem acreditando em duendes e bruxas. Sei disso. Ô se sei...

E sei também que ela tem seu custo. Se esse custo vale a pena ou não, acho um exercício individual, particular. Só acho que a vida pode ficar muito mais interessante quando você olha de frente a sua trama complexa, a sua dança caótica. Pode ser bem interessante ter estômago para essa contemplação.

E ao fazer esse exercício, talvez possamos notar aquela que é uma das principais causas de frustrações, ansiedade e decepções da vida contemporânea: as expectativas. 

O que acontece quando uma parte relevante do nosso bem-estar mental e psíquico fica totalmente ancorado em expectativas?

Afinal, estamos falando de expectativas muitas vezes tão, mas tão distantes do nosso controle, que vira quase uma torcida. Cruzar os dedos, pata de coelho, figa, vela. A gente torce e reza muito, mas, no final, sabemos que não controlamos muita coisa, não é mesmo?

E se trocarmos a ideia de “controle” pela ideia de “influência”?

Não consigo controlar se vou envelhecer bem, com saúde. Se vou ter uma vida longa, ou não, se vou ser próspero ou não, o que vai acontecer com a minha filha, minha esposa, com o meu trabalho. Simplesmente não controlo.

Por outro lado, consigo, sim, exercer certa influência sobre todas essas coisas. Posso escolher cuidar da alimentação, da mente, nutrir bons relacionamentos, cuidar da minha família com amor e presença, me dedicar no trabalho.

Me vem na cabeça o cuidar de plantas. Você rega, põe no sol, troca a terra, o vaso. Você influencia com o que tem à mão, fazendo ofertas com o que você tem de melhor.

Mas não para por aí. Junto com as escolhas que faço e influências que exerço, existe ainda um universo de coisas que me influenciam: genética, cultura, meu entorno, minhas condições de subsistência, minha infância, meus traumas, minhas distrações, meus desejos inconscientes. A lista é imensa.

É uma mistura de dança, jogo, luta. Corpo a corpo. Sangue, suor, lágrimas, risada de criança, pôr do sol, vírus, vacina, chuva...tudo junto. É um empurra-empurra, é esfregação, tensão e movimento. Não para. Há bilhões de anos é assim.

Dá medo, pavor de reconhecer que não controlamos as coisas. Eu sei. 
Descer desse pedestal que os estereótipos e o imaginário popular criado pelo marketing da nossa época nos colocam, custa. 
Só que eu acho que ficar nesse pedestal também custa. E suspeito que custe muito.

Com esse texto quero fazer um convite à lucidez e às pequenas doses de influência que podemos distribuir em nossas vidas. Como doses de vacinas.

Se conseguirmos praticar um pouco por dia, quem sabe não conseguimos cultivar uma saúde mental, física e, por que não, uma saúde humana mais interessante.

Oportunidade para praticar a lucidez não falta.

Para 2022, desejo saúde e lucidez a todos.

***

João Paulo Ferreira

Coach ontológico, pós-graduado em Finanças pelo Insper e executivo do mercado financeiro.

João Paulo Ferreira

Coach ontológico e pós-graduado em Finanças pelo Insper, construiu sua carreira no mercado financeiro e hoje cuida de pessoas e de si como sócio executivo do Appana Território de Aprendizagem.

https://www.appana.com.br/
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