Estar na Pele do Carlos: página 04

Confesso pra vocês que, até este momento onde digitei as primeiras palavras, eu não tinha ideia do que escrever sobre um tema tão importante quanto é o suicídio.

São diversos tabus que eu carrego sobre o assunto. Sempre fui “vivant” que quis tirar o máximo da estadia por este plano. Até nas piores situações, como bom ansioso, eu quero seguir como uma bicicleta sem freio com medo de parar. Durmo pouco, quero fazer tudo de uma vez, e tenho um terrível medo de morrer. Pelo menos, não sem concretizar tudo que tenho em mente. Por isso, eu sempre fiquei intrigado com aqueles que têm a coragem (e a “coragem”, se é que vocês me entendem) de tirar a própria vida. 

Mas não nego que, em uma ou duas situações na minha vida, eu possa ter pensado que minha vida não fazia sentido naquele momento. Porém, sempre foi passageiro. Eu olhava pra frente e via o que eu queria. Nem todos conseguem, e nem eu sei se isso é porque eu ainda não cheguei a este estágio. 

E isso, é porque cada um tem uma história, um passado e um limite. 

Eu nunca fui vítima de abuso, nem de estupro, nunca fui uma mulher vítima do pai, do irmão, do tio, do próprio marido. Nunca tive pais homofóbicos a ponto de me rejeitar. Nunca perdi uma perna num acidente, nem fiquei paralítico.  Nunca fui uma criança vítima do padre, nem do treinador. Nunca sofri de depressão, nem nunca descobri uma doença terminal. Não perdi meus pais, nem um irmão em um acidente. Nunca vazaram um nude meu na Internet, nem me senti tão solitário. Citei todos os exemplos que vêm à minha cabeça que poderiam me gerar tristeza tão grande a ponto de desistir. Acabou, é isso, that 's over, baby

Porém, todos tem suas feridas. Cada um sabe onde seu calo aperta e podem existir milhões de outras motivações, que não são pra mim, mas sim pra você, que está lendo este texto.

E a maior verdade nisso tudo é que não é possível evitar todos os motivos que levam alguém a querer pular do barco em andamento.

Merdas acontecem, pessoas ruins existem, não há tanto a se fazer. Minha sobrinha fez 18 anos esta semana e eu, embora feliz e confiante no futuro dela, fico paralisado quando penso em tudo que ela pode enfrentar. Viver no nosso século não é pra principiante, não.

Lembro de, quando jovem, um conhecido ter tentado tirar a própria vida. A história dele era complicada, ele foi adotado, e me lembro das pessoas chegarem a achá-lo mal agradecido. Como se pudéssemos controlar o que sentimos, num estalar de dedos. Mas só ele sabia o quando sofria para sentir-se adequado aquela vida que lhe foi ofertada. A culpa, a tristeza do abandono dos pais biológicos, entre milhares de outras neuras, que podem existir ou não. Nosso cérebro é uma caixinha de surpresas, que geralmente não são boas. E me lembro de sentir, pela primeira vez, o que sinto hoje, enquanto repenso esta época: porque ele não falou sobre isso comigo. 

Não se enganem. Eu não tenho todas as respostas, nem acho que esta seja a busca. Pra mim, falar sobre o assunto, é o que o traz para a esfera real, que o tira da sua visão talvez distorcida e magoada sobre sua própria história. Alguém que apenas te diga que isso vai passar. 

Sendo gay, não posso deixar de citar que os homossexuais se matam duas vezes mais do que os heteronormativos, e os motivos são os mais variados, desde a criação, passando pelo abuso e pela violência na escola, na rua, em casa. São vários os gatilhos, mas o motivo é somente um: o preconceito. O direito que o outro julga ter em dizer como devemos ser, baseado em religião, falsa moral, ou o que seja. 

O setembro amarelo foi idealizado justamente para que pessoas que chegam a este sentimento, entendam que elas podem falar sobre isso. Que verbalizar pode trazer um outro ponto de vista. ONGS como o  Bem do Estar existem justamente para que você possa tratar estes sentimentos, e não há vergonha alguma nisso. Pelo contrário, a nossa luta é exatamente esta. Você não está sozinho, no que depender de nós. Existem inúmeros grupos que fazem plantão esperando apenas que você esteja pronto pra falar. 

E se esta minha vivacidade, muitas vezes desenfreada e torta, puder servir para te impulsionar, eu sou todo seu. Pode me chamar, a hora que for, eu estarei aqui. Mesmo que seja para ficarmos juntos, em silêncio, se isso ajudar a apaziguar sua dor. 

Eu garanto, as coisas podem melhorar. E talvez, esta fúria desvairada em acabar com tudo, possa se transformar em um lindo desejo de recomeço. 


***

Carlos Stefano 

Acredito piamente que, sempre que eu puder dizer ou fazer algo para mudar o dia, o ano, a vida de alguém, eu faço, sem pestanejar. Sou apaixonado por relações humanas e suas ramificações, portanto compartilhar minhas experiências une estas duas aptidões, em um único objetivo: o Bem do Estar.



Carlos Stefano

Paulista de família mineiro-italiana, casado com o Neto há 7 anos, pai de uma border collie chamada Claire, gerente comercial, decorador, aspirante a escritor, violeiro de barzinho amador, desenhista amador, hiperativo e ansioso assumido.

Acredito piamente que, sempre que eu puder dizer ou fazer algo para mudar o dia, o ano, a vida de alguém, eu faço, sem pestanejar. Sou apaixonado por relações humanas e suas ramificações, portanto compartilhar minhas experiências une estas duas aptidões, em um único objetivo: o Bem do Estar. 

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