Fotografia como meio de expressão e autoconhecimento

A fotografia foi uma revelação pra mim. Aquela pequena máquina mágica me encantou quando percebi que eu poderia guardar os fragmentos do mundo, eternizar momentos e recriar realidades. Segundo o fotógrafo, pesquisador, historiador e professor, Boris Kossoy, brilhantemente reflete, “A história da fotografia é a história de uma busca incansável do homem em reter o tempo, registrar a experiência, preservar a memória, criar e construir realidades.”¹ Sem contar a proporção afetiva que a fotografia carrega, como se as imagens tornassem fragmentos de pequenas memórias², como trata Susan Sontag - escritora, filósofa, entre outras facetas. 

Foto: Infância por Carol Rahal

Foto: Infância por Carol Rahal

Com o passar dos anos, fui percebendo estas diversas camadas da fotografia e como elas afetavam o meu olhar sobre o cotidiano e, principalmente, sobre mim mesma. Eu compreendia cada vez mais a dimensão da experiência fotográfica quando eu refletia que ao clicar no botão da câmera, eu conseguia congelar o tempo, eternizá-lo. Esta sensação de vivenciar o efêmero e o eterno quase num mesmo instante, da escolha em eternizar um momento para que ele instantaneamente vire uma memória permanentemente fixada numa imagem, é um resgate da essência sagrada do universo, para mim. 

Não somos perenes, mesmo que almejássemos com tamanha força, tomássemos remédios e fizéssemos cirurgias para rejuvenescer; só a fotografia que não morre, que consegue conter este perpétuo por meio da imagem.

A fotógrafa é a parte efêmera deste processo. Cabe à mim, durante a minha existência, ser convidada pela fotografia a criar recortes do espaço e do tempo para que eu possa guardar, como um amuleto, as minhas experiências no mundo. 

Jorge Larossa, cita em seu texto Notas sobre Experiência (2002)³ , que a falta de silêncio e memória, os excessos e a expectativa da sociedade em formar indivíduos informados e capazes de opinar, impedem as pessoas de passarem pela experiência. O resgate da experiência pelo fazer artístico possibilita ao indivíduo desenvolver sua capacidade de socialização e apreensão de sua humanidade.

Cada vez é mais difícil se concentrar; as distrações, estímulos e a ansiedade nos impedem de realmente aproveitar o momento presente, e foi aí que esta máquina de captar a vida me ensinou, e continua ensinando, a preciosidade de olhar e viver o que me acontece agora. E mais do que isso, despertou em mim a potência do olhar criativo sobre as coisas. Quando fotografo eu transmuto a realidade tridimensional a que estamos acostumados, para um formato bidimensional do papel ou da tela do computador, é um “real ilusório”, ficcional, porque eu criei esta segunda realidade a partir das minhas bagagens culturais e ideológicas. Por isso, a fotografia é fascinante e, ao mesmo tempo, assustadora, porque cada um tem um olhar único sobre a sua própria realidade, não há verdade absoluta a não ser a nossa própria verdade. Olhar uma imagem e dizer que ela está representando, de forma totalmente neutra, a nossa realidade, além de equivocado, é extremamente perigoso, porque a fotografia escancara a diversidade e complexidade que nós somos como sociedade e como indivíduos. 

Quando crio uma imagem na minha cabeça, por mais onírica e simbólica que seja, para concretizar esta minha criação por meio da fotografia, eu preciso estar presente, atenta e aberta para captar na realidade o que eu busco na abstração do meu imaginário, isto é, o que eu acho mais fascinante na arte da fotografia, ela necessita do real para existir.

Se eu quero fotografar uma pessoa, a pessoa precisa existir para eu poder registrá-la. Diferente da pintura, onde eu posso transferir diretamente o que eu pensei para uma tela branca com um pincel e tinta. Isso muda nossa relação com o mundo, porque eu preciso criar a partir dele, eu preciso estar conectada com os acontecimentos ao meu redor, sentir a vida pulsando dentro de mim para dar conta de tudo o me perpassa. 

Eu costumo dizer que minha câmera fotográfica e meu celular são lupas que me possibilitam investigar e descobrir sutilezas da minha realidade. Eu perco a noção da hora, porque estou profundamente mergulhada no ato de criar  pelo  que a realidade me oferece naquele instante. Quando me perguntam se a fotografia é uma busca do meu autoconhecimento, eu respondo “sim, porque ela é uma ferramenta que me possibilita expressar meu ser autêntico”. 

O autoconhecimento é muito pessoal e individual, não tem receitas, nem manuais prontos, é uma busca, uma jornada que talvez dure a vida toda sem conseguirmos enxergar o final, ele é um caminho a ser seguido. No meu caso, este meu percurso sempre foi acompanhado pela arte. Quando nos colocamos no lugar de autores e espectadores da nossa própria existência conseguimos ampliar as dimensões do sentido de estarmos vivos; ora sendo protagonistas atuantes ora contemplando as pequenas dádivas que a vida nos oferece a todo instante.

O autoconhecimento é a chave para abrir o caminho para as transformações e realizações em nossas vidas. Sem ele você não sabe, de fato, quais são suas forças e virtudes e qual o propósito da sua vida, aquilo que traz significado e prazer, para assim impulsioná-lo a conquistar seus sonhos e objetivos. 

Então, quando me perguntam se a fotografia é um possível meio de autoconhecimento, eu repito “sim, ela é!”. 

  1. KOSSOY, Boris. O Encanto de Narciso: Reflexões sobre a Fotografia. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2020.

  2. SONTAG, Susan. Ensaios sobre a Fotografia. Rio de Janeiro, Arbor, 1981. 

  3. LAROSSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência (PDF).

***

Carol Rahal

Artista, educadora e fotógrafa. Sou uma aprendiz fascinada pelos encontros e trocas de experiências com as pessoas. Sou também um labirinto que se revela aos poucos à medida que se vai adentrando nele. Desde pequena sempre gostei de inventar histórias, criar personagens e brincar de professora. Foi no teatro que descobri minhas habilidades artísticas, mas foi na sala de aula que compreendi a potência do conhecimento. Na busca de explorar meu olhar criativo, me apaixonei pela fotografia e fiz dela minha ferramenta de transformação.

Carol Rahal

Artista, educadora e fotógrafa. Sou uma aprendiz fascinada pelos encontros e trocas de experiências com as pessoas. Sou também um labirinto que se revela aos poucos à medida que se vai adentrando nele. Desde pequena sempre gostei de inventar histórias, criar personagens e brincar de professora. Foi no teatro que descobri minhas habilidades artísticas, mas foi na sala de aula que compreendi a potência do conhecimento. Na busca de explorar meu olhar criativo, me apaixonei pela fotografia e fiz dela minha ferramenta de transformação.

http://www.carolrahal.com
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