O poder do desabafo
Tente expressar seus pensamentos e sentimentos por meio da escrita!
Logo no início da pandemia, quando ficou claro que o COVID-19 não iria embora tão cedo, resolvi escrever em meu diário - como faço de vez em quando. Decidi relatar como estava sendo a quarentena, uma forma de lembrar essa época louca e quais os meus sentimentos diante disso.
Meses depois, eu continuo a escrever no meu diário. Desisti uma dezena de vezes desde que comecei a escrever, pois os conteúdos não eram tão empolgantes, situações do dia-a-dia, notícias sobre as regras de distância social e reaberturas, momentos de preocupação e solidão, claustrofobia e gratidão.
Eu sei que não sou a única a escrever um diário na pandemia. A verdade é que centenas de pessoas deram seus relatos no Pandemic Project Website, um recurso criado por psicólogos que oferece modelos para ajudar as pessoas a explorarem seus sentimentos e emoções durante o COVID-19.
À medida que os dias parecem sempre iguais, escrever num diário pode ajudar a diferenciá-los e lhe ajudar a diminuir o estresse que invade seus pensamentos e sonhos. Pesquisas sugerem que isso pode auxiliar nosso sistema imunológico e nossa saúde, dois temas que têm nos preocupado bastante.
Embora existam algumas “armadilhas” ao escrever num diário – e as formas de usá-lo possam sair pela culatra - ele é uma das ferramentas mais valiosas e raras que podem ajudar na saúde mental, sem sair de casa.
As pessoas mantêm diários mesmo antes dos cientistas começarem a pesquisar seus efeitos. Nos últimos 30 anos, centenas de estudos mostraram os benefícios de colocar no papel o que há de mais profundo em nossos pensamentos e sentimentos.
Segundo eles, escrever num diário pode ajudar a desestressar quando estamos lutando e sofrendo. Um estudo publicado em 2006, convidou aproximadamente 100 adultos jovens a passarem 15 minutos escrevendo ou desenhando sobre eventos estressantes, ou revelando seus planos para aquele dia, duas vezes por semana. As pessoas que escreveram sentiram grandes reduções de sintomas ligados a depressão, ansiedade e hostilidade, particularmente se eles estivessem angustiados desde o início. Isso aconteceu, embora 80% raramente registrassem seus sentimentos no diário e apenas 61% se sentissem à vontade fazendo isso.
Por que evitamos usar o diário?
Em primeiro lugar, porque não é prazeroso. Eu mesma às vezes me forço a sentar e escrever. Catarse é provavelmente a melhor palavra. De fato, pesquisas sugerem que nos sentimos mais ansiosos, tristes ou culpados depois que escrevemos.
Porém, em linhas gerais, é possível cultivar mais consciência e melhorar a saúde. Vários estudos têm comprovado que pessoas que fazem uso do diário buscam menos médicos e reduzem os sintomas de doenças como asma e artrite.
Por que escrever funciona?
O diário funciona em dois níveis diferentes, tendo a ver com nossos sentimentos e pensamentos.
Primeiro, é um meio de despressurizar as emoções ao invés de reprimi-las, isso é muito favorável para a nossa saúde. Muitos de nós temos uma dor ou vergonha escondida que não dividimos com ninguém, que rodeiam as nossas mentes com imagens e emoções. Por meio da escrita, nossa dor pode ser traduzida em palavras e colocada para fora de nós.
“Eu sou capaz de organizar os meus pensamentos e sentimentos num papel, sendo assim, eles deixam de ocupar a minha mente”, diz Allison Quatrini, uma professora assistente no Eckerd College, que já escreve há anos. Ainda segundo ela, “Se eu colocar tudo numa página e tirar da minha mente, isso faz com que o resto do dia não seja só mais produtivo, mas também mais tranquilo”.
Em relação ao pensamento, escrever nos força a organizar nossas experiências numa sequência, dando-nos a chance de examinar causa e efeito de uma forma coerente. Com esse processo, podemos também ganhar certa distância de nossas experiências e começar a enxergá-las de outros modos, ganhando insights sobre nós mesmos e sobre o mundo ao nosso redor. Embora o trauma possa deprimir nossas crenças na vida, externá-lo por meio da escrita parece nos dar um senso de controle.
“Escrever é uma ferramenta de explicitar nossas experiências, pensamentos, crenças e desejos por meio da linguagem, e isso nos ajuda entender a evolução e o sentido delas”, diz Joshua Smyth, um renomado professor de estudos de comportamento da saúde biológica e medicina na Penn State University, que é coautor do livro “Abrindo-se para a escrita” com o pesquisador pioneiro James Pennebaker.
Como começar a praticar a escrita
Embora você possa escrever de diferentes formas, uma das mais estudadas é a escrita expressiva. A prática consiste em escrever de forma continuada por 20 minutos sobre os pensamentos e emoções mais profundos relacionados a algum problema em sua vida. Você pode explorar como isso tem te afetado ou como isso pode estar relacionado com sua infância, seus pais, seus relacionamentos íntimos ou sua carreira.
A Escrita expressiva é, geralmente, realizada por 4 dias, mas não é uma fórmula mágica. Estudos sugerem que você pode escrever por alguns dias por um período, algumas vezes na semana ou somente por uma semana e por 10, 15 ou 20 minutos. Além disso, você pode escrever sobre o mesmo tópico ou trocá-lo por outros diferentes a cada vez.
Por exemplo, o Pandemic Project oferece vários modelos para inspirar seus escritos. Você pode fazer um resumo sobre os seus pensamentos e sentimentos em relação ao COVID-19, ou mergulhar em temas mais específicos, conforme a seguir:
Vida social: Como está sua vida social? Ela mudou ou está mudando? Como você se sente em relação a ela? E está lidando com isso?
Dinheiro e trabalho: Como você se sente em relação a sua situação financeira? Seu trabalho foi afetado pela pandemia? Como? E quais sentimentos você consegue pontuar?
Incerteza: Você está sentindo ansiedade e incerteza? Consegue identificar de onde vem? Quais situações, pessoas e atitudes despertam essas sensações?
“Muitas pessoas frequentemente começam a escrever sobre o COVID-19 e depois passam para outros tópicos que os incomodam mais do que eles imaginam”, segundo o site do Pandemic Project. É para isso que serve a escrita expressiva, para entender os problemas internos.
Em meu diário, eu tenho me visto explorando o problema do controle. Meu instinto constante é organizar e planejar a vida, mas isso tem sido impossível no meio dessa crise. Escrever também me faz ponderar sobre lições de flexibilidade, aceitação e resiliência por meio dessas experiências.
O que fazer e não fazer com um diário
Um estudo de 2002 sugere que os escritores de diário devem estar cientes de algumas dificuldades presentes na escrita.
No experimento, mais de 120 estudantes universitários relataram sobre eventos traumáticos e estressantes que viveram, como problemas na escola, conflitos com parceiros, ou uma morte na família. Eles foram instruídos a escrever por pelo menos 10 minutos, duas vezes na semana, durante um mês. Alguns estudantes foram mais profundos em seus relatos, tentando inclusive entender o sentido do estresse que sofriam, enquanto outros escreveram apenas sobre os seus sentimentos.
Durante o mês, o grupo que relatou seus sentimentos e pensamentos evoluiu mais em relação ao trauma: melhora nos relacionamentos com os outros e maior sensação de força, apreciação da vida e novas possibilidades para o futuro. Eles pareciam estar mais conscientes do lado bom das coisas, enquanto o grupo focado nas emoções, sentiu mais no lado negativo, adoecendo mais durante o mês.
O ponto aqui é que o registro no diário mais eficaz passa das emoções para os pensamentos ao longo do tempo. Começamos a expressar nossos sentimentos, permitindo-nos nomeá-los; afinal, pular para os pensamentos muito rapidamente pode significar que estamos analisando demais ou evitando. Porém, eventualmente, começamos a fazer observações, perceber padrões ou definir metas para o futuro.
Este tem sido o caso de Allison Quatrini, que geralmente escreve por 30 minutos de manhã sobre o que quer que esteja se passando em sua mente - desde as perdas que está experimentando durante a pandemia até seu trabalho ou relacionamento romântico. Isso permite que ela coloque em palavras o quanto sua vida foi influenciada, além de organizar as emoções que ela está sentindo e pensar em caminhos a seguir.
“Isso me ajuda a perceber como estou me sentindo atualmente”, diz ela. Por que estou desmotivada, entediada e triste? Isso ajuda a admitir para mim mesma o que está acontecendo e por que tem sido desafiador lidar com isso.
Além de escrever, você também pode adicionar desenhos ao seu diário. Em um estudo de 2003, pessoas escreveram, fizeram desenhos, ou ambos, sobre uma experiência negativa do passado que ainda as perturbava, como problemas de relacionamento ou perda. De acordo com pesquisas anteriores e posteriores, o grupo que fez as duas atividades juntas teve melhora de humor após três sessões semanais de 20 minutos. Desenhar sem escrever, na verdade, piorou o humor das pessoas. Os pesquisadores especulam que pode ter desencadeado sentimentos difíceis sem oferecer uma maneira de processá-los.
Se escrever é um desafio, expressar seus sentimentos em voz alta também pode funcionar. Nesse mesmo estudo, havia outro grupo de alunos que fizeram uma gravação falando sobre seu estresse. O resultado foi respostas imunológicas mais fortes ao vírus adormecido em seus corpos. Além de se mostrarem psicologicamente melhor, obtendo insights e uma perspectiva positiva sobre seu estresse, melhorando a autoestima e se engajando em estratégias de enfrentamento mais saudáveis. Os pesquisadores suspeitam que falar - mesmo com um gravador de voz - pode ser semelhante a compartilhar nossos sentimentos com uma pessoa amada.
Liberdade de expressão
Compartilhar seus pensamentos e sentimentos com uma pessoa de confiança pode ser ainda melhor do que escrever sentimentos, pois serve a um propósito semelhante e nos oferece calor e validação que um pedaço de papel não pode fornecer. E isso provavelmente é verdade, segundo Pennebaker e Smyth no livro “Opening Up by Writing It Down”.
Um estudo, por exemplo, descobriu que pessoas que conversaram com um terapeuta por quatro curtas sessões diárias mostraram mais emoções positivas e menos emoções negativas. Eles ganharam compreensão e perspectiva, e fizeram mudanças de comportamento saudáveis semelhantes às pessoas que escreviam no diário.
A terapia também parecia ser menos desagradável do que escrever. Na verdade, quando Pennebaker originalmente imaginou o diário como um exercício de saúde da mente, ele foi inspirado pelos benefícios da terapia - mas ciente de que nem todo mundo tem os meios ou a inclinação para falar com um profissional sobre seus problemas.
Claro, confessar a amigos ou parceiros têm suas complicações. Às vezes, nossos entes queridos estão sobrecarregados com seu próprio estresse ou não podem oferecer o tipo certo de apoio - e podem até fazer com que nos sintamos pior. Outras vezes, nossos segredos parecem muito vulneráveis para falar em voz alta.
Não importa o que aconteça, se estivermos falando com outro humano, nossos cérebros farão um cálculo constante sobre o que dizer ou não dizer, como eles podem reagir e como seremos percebidos, diz Smyth. Confiar no papel pode ser uma alternativa valiosa e uma forma de nos expressarmos com absoluta liberdade. O registro no diário nos permite processar segredos antes de revelá-los a outras pessoas.
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Artigo originalmente publicado no site Greater Good da faculdade americana Berkeley - University of California livremente traduzido e adaptado pela voluntária Maira Cruz.
Nosso desejo sexual pode variar ao longo da vida e isso não é um problema. Dependendo da nossa rotina, da nossa saúde física e mental, da nossa idade, da nossa sensação de bem-estar, dentre outros fatores, podemos estar com maior ou menor libido, sem necessariamente ter algo de errado. Mas quando essas alterações se tornam persistentes e prejudicam a vida da pessoa, algo deve ser feito para reequilíbrio do organismo.