Estar na Pele do Flávio: página 03

Oito anos depois daquela história do poema que mudou o dia de uma colega de escola, algo muito parecido aconteceu novamente. Dessa vez, num curso de extensão que resolvi fazer à noite para reforçar meus conhecimentos sobre minha área de atuação profissional, projetos de engenharia no segmento de estruturas.

Curiosamente, a situação foi muito parecida. A colega sentada à minha frente estava diferente naquele dia, ela que era sempre alegre e comunicativa. No meio da aula, rabisquei numa folha os versos de um poema de minha autoria que lembrava de cabeça e entreguei a ela:



Poema

são versos que

como as desnudas árvores de outono

você sempre enxerga

com olhos de primavera



Na hora, estando no meio da aula, não comentou nada. Mas no intervalo, a reação foi exatamente a mesma da menina dos tempos de colégio. Embora a intenção fosse apenas alegrá-la, a repetição das cenas acabou por selar de vez minha compreensão sobre o poder das palavras em relação ao nosso estado emocional. 

Mas o que talvez tenha me marcado com mais intensidade dessa vez foi o sorriso dela, algo que era constante desde a primeira vez que a vi, porém havia sumido naquela noite até que ela lesse o poema.

Na ocasião, já com 25 anos e alguns tropeços no ambiente corporativo que me levaram a entender claramente sobre o mundo não ser cor de rosa, bem como nem todos colegas de trabalho seriam camaradas como a maioria era nos saudosos tempos de estudante, o efeito da reação dela foi um pouco diferente em mim, embora ainda tenha levado mais alguns anos para melhorar certas atitudes no trato com as pessoas. Mas isso é um papo para outras páginas.

Antes de terminar esse texto, aproveitando uma sugestão recebida, resolvi deixar um outro poema, escrito em 1994, que traz uma reflexão do quanto às vezes nós procuramos o “a mais”, sendo que algo simples já nos basta.

Não que seja proibido ou perda de tempo querer voar mais alto, mas normalmente nós acabamos deixando passar boas oportunidades de viver algo bom e que nos agrada, apenas porque achamos que é preciso mais.

Essa “insatisfação”, por mais que possa parecer insignificante, aos poucos pode ir mexendo com nossos sentimentos, desgastando gradativamente nosso lado emocional sem que venhamos a perceber. E isso, com o passar dos anos, pode ter consequências mais sérias em relação à nossa saúde, sem que nos demos conta do que está acontecendo.

Às vezes, ainda que a sede pareça grande, alguns poucos goles de água podem ser suficientes para nos saciar.



Toque

O toque

do tato

no tato

dos dedos nos braços

a pele na pele

do dorso das mãos

nas faces do rosto

sorriso de gosto

do gesto em carinho

suave agradar



Desejo

desejo

reduza seu corpo

ao pequeno frasco

de um arrepio de prazer



Pra que o plural

no querer do buquê

se o perfume também se exprime

num simples botão de flor? 

 

***

Flávio Berto

Eu comecei a escrever em prosa aos 14 anos, em versos aos 16. Romances e poesias se tornaram o caminho natural para tanta necessidade de grafar palavras no papel, sendo que mais tarde a poesia se expandiu para a composição de letras e melodias. Não consigo passar um dia que seja sem escrever algo ou criar alguma história na minha cabeça. O mundo das letras, mais que um universo fantástico e inesgotável, nos apresenta também a magia que as palavras têm e o quanto elas preenchem cada momento de nossas vidas. É um aprendizado eterno e, se bem trabalhado, um dos melhores meios para tentar tornar esse mundo um lugar mais agradável para se viver.

Flávio Berto

Aquariano, nascido nos anos 60, engenheiro de profissão, escritor e compositor de alma. Racional para o cotidiano, a flor da pele para tudo o mais que é da vida. 95% Luke Skywalker, 5% Darth Vader, pois infelizmente nem tudo são flores. Pai da Sabrina e da Carol, com quem vive uma relação de sangue, amor, carinho e responsabilidades desde que nasceram. Mais do que pai, um "paixonado".


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