Prestar atenção presta pra quê?
Vivemos uma crise atencional intencional, de graves consequências à saúde da mente e do corpo. A crise atencional, antecipo, não se reduz à dificuldade de foco ou concentração. E é intencional dado que não é um fenômeno espontâneo, mas sim gerado por nós sobre nós mesmos.
Nas escrituras hindus, o símbolo da moralidade, representado pelo touro, se sustenta sobre quatro patas que seriam os princípios de: não-violência, austeridade, veracidade e pureza. Ao longo de três eras, três destas patas teriam se perdido e neste momento estaríamos vivendo um quarto ciclo: Kali Yuga, também conhecida como a era da degradação. Em Kali Yuga todos os laços de prosperidade são quebrados e existe somente a sustentação da pata da veracidade.
Coincidentemente, segundo autores modernos, estaríamos vivenciando um quarto ciclo ou 4a Revolução Industrial caracterizada, principalmente, pelo crescimento e uso da inteligência artificial, que levou os paradigmas da tecnologia informacional a novos patamares. E se é bem verdade que a ciência em muito se beneficiou dessas novas tecnologias, é sabido também que a robotização e a “algoritmização” da vida têm gerado consequências desastrosas dado que é permitido a cada indivíduo criar sua própria bolha da verdade. Cada um equilibrando seu touro de uma perna só.
Hoje, crianças que ainda mal circunscreveram sua própria realidade física (não sabem nem localizar a padaria da esquina) já possuem mídias e redes sociais. Por uma armadilha semântica do destino, corremos o sério risco de esquecermos que a “realidade aumentada” é na verdade sempre menor do que a realidade em si.
Edward S. Reed, em seu livro “The necessity of experience” nos alerta de uma frequente e cada vez mais preocupante ausência de experiências de primeira mão (ou primárias) no mundo contemporâneo. Para ele estaríamos cada vez mais sujeitos à exposição de experiências secundárias mediadas por algum outro processo humano e/ou social, fator negativo não apenas para interpretação dos próprios exemplos de experiência, mas sobretudo por esse tipo de mediação interferir a níveis profundos de subjetividade e liberdade humana no que tange à percepção de mundo. Nossa capacidade sensorial está se atrofiando.
Acontece que sem a ancoragem do corpo não há sujeito. Um corpo que pretende se deslocar no espaço, depende tanto de sustentação física quanto de um propósito de direcionamento. A mente, tal qual uma embarcação lançada num mar imaginário dentro do corpo, depende tanto de um lastro quanto de um mastro. Estar à deriva em alto mar, por mais poético que possa parecer, não é libertador. É nessa falsa sensação de liberdade que a ansiedade, a depressão e outros transtornos podem encontrar campo fértil para, literalmente, tomarem corpo. Liberdade é saber usar o remo. Ou saber capturar o vento nas velas da sua embarcação.
Diversas técnicas são baseadas na ancoragem da respiração como ferramenta para sustentação da atenção. Porém, essa capacidade, com seus inúmeros benefícios, não garante alívio do sofrimento e mal-estar por si só. Estar atento ao momento presente em uma vida desprovida de sentido, é limitado.
Estamos lidando com a mente humana, território no qual outros fatores também necessitam estar em equilíbrio para que o indivíduo vislumbre um estado de felicidade genuína, ou para que simplesmente interrompa o ciclo de geração do sofrimento a partir das emoções. Portanto, além da capacidade de sustentação da atenção, precisamos trabalhar ao encontro de um propósito em nossas existências. Precisamos ainda desenvolver a capacidade de discernimento, que, inevitavelmente, envolve a ética de nossas ações para com os outros e para conosco. E, finalmente, precisamos de consciência e capacidade de uso de nosso repertório emocional.
Em tempo, a boa notícia é que isso é possível e cientificamente comprovado. Comece!
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Felipe Futada
Professor de Educação Física (USP) e trabalha em escolas da rede particular de São Paulo e em cursos de formação de professores.