As Perdas e os Lutos nos dias de hoje
Estava tudo caminhando na minha vida profissional, finalmente meus projetos estavam se concretizando, os clientes assinando mais contratos mostrando confiança no meu trabalho, uma sala própria, com uma equipe maravilhosa … tudo conspirando a meu favor, após 15 anos batalhando para ter essa realidade que agora estava vivendo.
De repente, começaram a chegar as notícias do novo vírus, da tragédia mundial que ocorria, o desespero das pessoas que não sabiam o que estava por vir com elas e seus familiares. Frente ao desconhecido, as portas das casas se fecharam, os abraços sumiram, o medo tomou conta, e o número de mortes ao redor do mundo, aumentando.
Foi quando me deparei, frente a frente com meus projetos, com minhas conquistas - que tanto suei para conseguir - simplesmente desmoronando. A sala que decorei com tanto esmero, a equipe acolhedora que todos os dias trazia sorriso, os clientes chegando...não havia mais. Mais nada.
Essa realidade infelizmente foi mundial. Todas as pessoas forçadamente tendo que lidar com perdas. Perdas de familiares queridos, de amigos, conhecidos. Despedindo-se sem ao menos poder dizer adeus. Perdas de trabalho, de rotina, de salários, e mais que isso, da segurança que tudo isso trazia para a vida daquela pessoa.
Vamos olhar mais profundamente sobre o significado das perdas e as mortes. Sobre o que elas definem no mais íntimo, na nossa psique.
A morte é a única certeza que nos acompanha por toda a vida, e de todas as incertezas, é dela que queremos nos afastar em pensamento e em realidade.
Perder um ente querido produz um desconforto psíquico que nos leva ao trabalho de luto, que consiste em retirar todo o afeto que me vincula ao outro, para levar, simbolicamente, à outras esferas psíquicas. Porém, o outro não mais irá existir, por isso o luto é um processo tão forte e intenso.
Perdendo a pessoa amada, o enlutado entra em contato com o vazio, com a falta de sentido, com a própria fragilidade. O trabalho de luto significa ter que lidar com o significado da vida, do que é a existência humana, fazendo–nos refletir sobre nossa realidade, desejos, objetivos e, também, o que precisamos deixar ir embora do nosso ego.
Quanto à questão da perda da rotina, do trabalho, salário, também precisamos vivenciar o luto. Para que, assim, possamos ressignificar e abrir possibilidades de novos trabalhos, novas funções, novas formas de viver.
Ressignificar significa dar um novo sentido a alguma experiência, pois o “re” significa “de novo”, “novamente”. Mas se estudarmos a origem dessa palavra, ela significa: “retirar afeto de alguma coisa”, de uma experiência, situação, um trauma e etc. O significado desse verbo mostra, então, que o “ressignificar” de uma experiência, seria retirar o afeto que esta tem sobre você, ou seja, ela não lhe afetará mais, não traz mais sentimento de medo, raiva ou tristeza.
A aceitação seria então ter a consciência que muitas coisas simplesmente não podem ser mudadas. A coragem para mudar o que pode ser mudado, e a serenidade e paz para aceitar o que não pode ser mudado. Sempre gosto de trazer a palavra gratidão também, pois foram através dessas experiências que conseguimos transcender e amadurecer.
A humildade nos mostra que estamos nessa vida para aprender, para transformar, sentir, amadurecer e saber que esse ciclo não irá acabar. Sem essas percepções, não nos tornaremos seres humanos melhores, tanto para nós, quanto para os outros.
Quando finalmente aceitamos e temos a humildade para compreender que algumas experiências, nem sempre irão sair do jeito que queremos, que de repente tudo sai do lugar, e parece sem sentido...vem as perguntas: “O que aprendi com tudo isso? Qual lição valiosa posso tirar para meu crescimento? Quais outros pontos de vista posso ter sobre a mesma situação? Com esse amadurecimento, como posso seguir adiante para minha plenitude e felicidade?”.
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Graduada em psicologia pela PUC Campinas, há 16 anos. Especialista em Treinamento em Psicoterapia Breve Psicanalítica, pela Unicamp. Atuou por 10 anos, como Matriciadora de Saúde Mental na Rede Pública. E trabalha com Psicoterapia, há 16 anos, em consultório próprio.