Estar na Pele do Carlos: Página 02
Ontem (referência a 04/05/21) não foi um bom dia para a maioria dos brasileiros, o que me inspirou a dividir meus sentimentos com vocês.
Considero-me em trégua com a minha ansiedade. Tivemos nossos momentos de guerra, ganhei muitas batalhas, perdi outras tantas, enfim, passei um bom tempo me digladiando com este sentimento que, hora me motivava como um rolo compressor, hora me colocava por baixo da mosca do cocô do cavalo do bandido. Em geral, me sinto no controle.
Pelo menos até vir um dia como este, quando percebo que não é bem assim. No fundo, eu aprendi a sentir com normalidade as investidas dos meus demônios, encarando meus gatilhos de frente.
Até porque, convenhamos, existe uma população inteira de ansiosos em isolamento social. Eu tenho o imenso privilégio de estar em home office, mas não é tão simples. Um ano inteiro lidando com um cenário de extrema insegurança, sendo ela profissional- pois os negócios estão cada vez mais difíceis, quanto a física, em que não sabemos se vamos tocar o tomate na prateleira do mercado e pegar essa porcaria de vírus, morrendo sem um leito na UTI. Parece uma descrição um tanto calamitosa, e em outras épocas eu seria chamado de hipocondríaco, mas é exatamente o que está acontecendo neste momento da história mundial.
Sem partir para a minha opinião política sobre o assunto (não se enganem, eu poderia passar o resto do texto só falando sobre isso), a verdade é que seguimos isolados, por tempo indeterminado.
Um dia antes de eu escrever este texto, Paulo Gustavo, o intérprete de Dona Hermínia e tantos outros personagens maravilhosos, fez a sua passagem para o plano superior, vítima do Covid. Pensa num cara amado, o tamanho da comoção é sem precedentes. O país está em luto, todos estamos sofrendo a perda de um dos maiores comediantes que o Brasil já conheceu. Casado, deixou 2 filhos pequenos. Uma tragédia, que só se repetiu por mais de 400 mil vezes, só no Brasil.
Além disso, um adolescente entrou com uma faca e matou 2 professoras e 2 alunos de um jardim de infância em Saudade - SC. Não se sabe muito ainda sobre, mas só de imaginar a cena, meu estômago torce umas 3 vezes. No mais, seguimos sob o comando do mesmo presidente (ops, não me contive rs), enfim, tudo no mais perfeito cenário para o 7x1, sendo eu definitivamente o Brasil.
Eu já contei que sou hiperativo, né? Não só o meu corpo, mas minha mente também tem bastante dificuldade em ficar no lugar. A inércia, pra mim, é quase uma sensação de morte. Tenho necessidade de produzir, ou então minha cabeça vai pensar demais em poucas coisas, nada produtivo.
“Cabeça vazia, oficina do Diabo”, já dizia minha avó nos seus tempos áureos.
Eu costumo estabelecer um horário de trabalho, paro para almoçar, onde geralmente estendo e acabo me entregando ao primeiro hobby que adquiri na quarentena: confeitaria. Faço bolos, testo receitas, tortas... de um tudo. Não ajuda muito a dieta, mas considero um tempo muito bem gasto.
Volto ao trabalho até as 17h30, 18 horas, e então geralmente sento com minha prancheta para me dedicar aos meus desenhos. Sempre desenhei, desde pequeno, mas durante a pandemia fiz curso, melhorei meu traço, fico cada vez mais confiante. Amo, mas ainda preciso melhorar minha capacidade de terminar meus trabalhos. Geralmente não concluo, mas vou evoluindo, aos poucos. Se não tô afim de desenhar, mexo no meu mais novo brinquedinho: minha máquina de costura. Ganhei do meu melhor amigo, que era da mãe dele que tanto amávamos e nos deixou há pouco. Me pego muito concentrado, arrumando minhas roupas, e testando algumas ideias, sem pretensão. Não quero metas que se somem às que eu já tenho, por obrigação. Tem que ser no meu tempo, do meu jeito. De terça ou sexta, eu cuido das minhas plantas, que estão aumentando. Vê-las crescer me dá uma sensação de vida ao redor.
Então eu janto e, mais tarde, me dedico ao meu maior projeto de quarentena: tocar violão. Nunca achei que conseguiria, mas com muito tutorial e com um aplicativo que me lista as cifras, aliados ao tempo que me sobra e minha experiência como cantor de chuveiro, eu finalmente consegui. E arrisco dizer que estou indo muito bem, obrigado. Brinco com que, se nada der certo, eu posso ser trovador de barzinho.
E tem dias em que eu escrevo. Seja uma crônica pra minha página, uma opinião mais acirrada, uma mensagem de aniversário de alguém que eu ame muito. Quem me conhece há muito tempo sabe que faz mais de 10 anos que eu escrevo um livro que não termina nunca. Mas sei que, um dia, eu chego lá. Fora isso, já tentei crochê, tricô, e mais recentemente adquiri o hábito de decorar casas que o Neto constrói no The Sims. Lembrando que costumo dormir apenas 6 horas por noite.
Todas estas atividades às quais me proponho pra expressar minha criatividade, enchem meu cérebro de Dopamina, ligada ao sentimento de recompensa do cérebro, quimicamente me trazendo uma sensação de felicidade momentânea. Funciona pra mim.
No entanto, para finalizar, quero dizer a vocês que, ontem, sinto lhes decepcionar, eu não fiz nada disso. Porque eu sou humano, e tem dias em que nada resolve. Ontem foi um momento pesado de inúmeras formas, e também acredito que dias ruins fortalecem os bons. Vivi e ponderei sobre minhas angústias e sobre o furacão que nos assola, vi minhas séries, chorei por tabela, comi feito um louco, dormi no sofá com a TV ligada.
Hoje, acordei disposto, fiz um café bem forte e escrevi este texto, antes de começar minhas tarefas diárias. Porque, quando nada conseguir tirar este nó no seu peito, aceite-o. E confie em outro sábio ditado dos antigos:
“Nada como um dia após o outro.”
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Carlos Stefano
Acredito piamente que, sempre que eu puder dizer ou fazer algo para mudar o dia, o ano, a vida de alguém, eu faço, sem pestanejar. Sou apaixonado por relações humanas e suas ramificações, portanto compartilhar minhas experiências une estas duas aptidões, em um único objetivo: o Bem do Estar.
Um poema sem fim" é como a Laura descreve seu processo terapêutico. Entre sonhos realizados e sentimentos de falta, ela compartilha a realidade de viver em meio a contradições. Tanta vontade de viver, mas também o peso de uma leveza que parece desconfortável.