Estar na Pele do Kenzo: Página 03
Ouvindo o silêncio
Já faz algum tempo que tenho evitado a escrita livre. Talvez “evitado” nem seja a melhor palavra. Normalmente, a gente evita aquilo que pode despertar o medo – um pesadelo, um trauma, uma ferida. Eu sei que não é o caso da escrita.
Sei também que perdi um pouco a intimidade com a caneta e o papel, mas a pergunta que me faço hoje é: “o que esse silêncio está querendo me dizer?”
Será mesmo falta de tempo? Talvez a rotina da não-escrita tenha se sobressaído à da escrita? Será que a escrita não me ajuda mais? Ou sou eu quem não ajudo mais a escrita?
Hoje resolvi ajudar, fazer as pazes com ela. Me aproximei do papel e da caneta, mesmo depois da distância de alguns meses. Quem sabe hoje ela não me conta o que esse silêncio está querendo me dizer…
Sim, o barulho externo tem sido gritante ultimamente. Mas, e o silêncio interno, também não pode ser ensurdecedor?
Voltar a escrever é como andar de bicicleta. Logo você já sente a brisa tocando o seu rosto e se pergunta: “Por que é que eu demorei tanto?”
A escrita como forma de explorar a arte de ser eu mesmo é como esculpir com palavras, é uma pintura com letras e espaços em branco, é experimentar ritmos e brincar com rimas. É criar intimidade com as palavras, e depois deixá-las voarem por aí como bem entenderem. Ah, a liberdade!
Foi Miles Davis que disse: “Quando você toca uma nota errada, é a próxima nota que a faz ser boa ou ruim.”
Da mesma forma, quando se escreve uma palavra “errada”, o que a faz ser boa ou ruim é a próxima palavra, o contexto em que ela vive (ou em quem ela sobrevive).
E se o silêncio entre as notas é que constrói uma composição musical, é o silêncio entre as palavras que desenha um pensamento, que conta uma história e que compartilha uma alma.
Ouvir o silêncio (!)
de pass a g e m
nas
E
N
T
R
E
L
I
N
H
A
S
é
tão necessário
quanto (?)
as p.a.l.a.v.r.a.s
que {habitam}
NELAS
.
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Kenzo Sugawara
“Curioso pela profundidade da vida com propósito. Escrevo para me encontrar e devolver algo de bom no mundo.”