Você pratica uma gratidão preguiçosa?
Inspirada por uma prática que vivenciei com um grupo de estudos de comunicação não violenta (CNV) do qual participo, proponho hoje uma reflexão sobre como expressamos nossa gratidão.
Em razão de algumas experiências pessoais, venho há algum tempo observando minhas relações, com que presença vivencio as interações com as pessoas com quem convivo, que conexão existe nessa troca e por que considero essas pessoas importantes na minha vida. Daí passei a refletir sobre se e como eu demonstro para essas pessoas que elas são importantes para mim por enriquecerem minha vida de diferentes maneiras.
É comum falarmos aquele simples “obrigada(o)” ou até mesmo nem lembrarmos de agradecer ao outro, talvez por uma pressa momentânea, por pensar que está subentendido ou por ter a convicção de que o outro cumpriu tão somente sua obrigação. Isso, contudo, não me parece comunicar ao outro que sou grata e como ele enriqueceu a minha vida. Gosto da definição que li numa reportagem de Fernando Mantovani “óbvio é a informação essencial que não foi comunicada”.
Você deve estar se perguntando o que eu quero dizer quando falo que alguém pode enriquecer minha vida, eu explico. Cada pessoa pode enriquecer nossa vida de variadas formas de acordo com os vínculos que estabelecemos e isso nos traz sensações prazerosas de bem-estar, pois cuida de diversas necessidades humanas importantes para nós em cada uma dessas interações – p.ex. quando minha mãe me escuta e me abraça num momento em que me sinto triste, ela enriquece minha vida por contemplar minhas necessidades de acolhimento e empatia, ou quando uma amiga celebra uma importante conquista profissional minha, ela também enriquece minha vida por atender minhas necessidades de reconhecimento e celebração.
Bora praticar!
a) pense numa pessoa que você estima e escolha uma determinada situação em que interagiram;
b) relembre o(s) sentimento(s) que você vivenciou naquele momento;
c) identifique o que era importante para você (suas necessidades) e que percebe ter sido cuidado naquela situação.
Esse processo de auto-observação, baseado na filosofia da CNV, é um ótimo exercício para ampliarmos a compreensão sobre nossas relações interpessoais e os presentes que cada pessoa nos traz. A percepção sobre todos esses presentes que recebemos faz surgir em nós o sentimento de gratidão. Sentir gratidão nos conecta com a abundância que vivenciamos e compartilhamos em nossa vida!
Pergunto: você gostaria de ouvir sua mãe, amiga, filho, namorado dizer que são gratos por perceberem que essa relação os estimula a se sentirem acolhidos, felizes, reconhecidos, etc.? Você gostaria de ouvir que os ajuda a cuidar de coisas importantes na vida deles, como colaboração, acolhimento, diversão, etc? Saber disso te traria bem-estar? Essas informações são óbvias para você em cada uma dessas relações? Ou você talvez até imagine algumas delas, mas não tem efetiva clareza sobre isso?
Acredito que para muitos de nós a resposta às duas últimas perguntas seja que não é óbvio e não temos clareza sobre como nós enriquecemos a vida dos outros. Se não é óbvio para nós, podemos concluir que também não seja, óbvio, para as pessoas com quem nos relacionamos. Se pensarmos como seria agradável ouvir como enriquecemos a vida de quem gostamos (e quem sabe até nos surpreendermos com alguns relatos, como já aconteceu comigo!), podemos concluir que eles também sentirão prazer em saber como eles contribuem com a nossa vida.
Está tudo bem e não há nada de errado em falar apenas “obrigada(o)” ou alguma outra colocação similar pela qual busquemos expressar nosso estado de espírito (p.ex. “obrigada por tudo!” ou “adorei passar o final de semana com você!”), pois é a forma mais comum que aprendemos a manifestar nossa gratidão e outros sentimentos. Ao mesmo tempo, proponho que releia essas expressões (ou pense em outras que costuma usar) e reflita: é possível identificar os sentimentos vivenciados durante aquela experiência? Elas informam ao outro quais eram as necessidades importantes que foram cuidadas por meio dessa relação? Apesar de, pelo senso comum, ser possível considerar que o comunicador se sentiu bem durante aquela interação, na minha observação tais expressões não contam quase nada sobre o que foi experimentado no mundo interno dele ou sobre a conexão compartilhada entre os envolvidos, mantendo-se uma superficialidade na relação.
Como vimos, esse nosso mundo interno é tão rico e pode provocar no outro sensações tão agradáveis, então por que não contar ao outro sobre como ele enriquece nossa vida e compartilhar de mais um momento prazeroso juntos? Esse processo nos ajuda a construir intimidade conosco e com o outro.
E como podemos fazer a transição da gratidão preguiçosa para a gratidão profunda?
Não acredito em receita pronta para viver, cada indivíduo tem suas crenças, seus valores, suas próprias experiências de vida e é a partir desse lugar que consegue compreender e expressar sua existência no mundo. Então não vou aqui sugerir nenhum rol de palavras ou frases pré-fabricadas e dizer que esse é o jeito certo de você se comunicar. O caminho que acredito e busco praticar na minha vida é sempre olhar para dentro de mim, primeiro tomar consciência de tudo que se passa no meu mundo interno para, então, contar ao outro o que acontece comigo e faço isso do meu jeito, conforme me sinto à vontade para falar, não preciso usar nenhuma linguagem formal ou rebuscada para isso, o importante é que a mensagem seja passada por mim e compreendida pelo outro.
A cada experiência em que sentir gratidão você pode se permitir olhar para camadas mais profundas de si e observar os sentimentos que floresceram e as necessidades que foram atendidas. A partir disso será mais fácil encontrar uma forma autêntica de contar ao outro sobre toda a riqueza que ele pode te oferecer.
Vale um olhar para esse processo também: você se sente confortável em expressar gratidão ao outro? Se não, o que se mobiliza dentro de você que dificulta contar ao outro sobre esse sentimento?
Percorrer-se, permitir-se sentir e expressar-se de forma autêntica, esse é o convite que a CNV nos faz. O processo é simples (não há muitas etapas a serem realizadas) e, ao mesmo tempo, complexo (trata-se de uma mudança de mentalidade e comportamento), visto que não fomos estimulados a desenvolver esse olhar interno nem essa expressão consciente e autêntica.
Por hoje, expresso publicamente minha gratidão ao Instituto Bem do Estar (já havia feito pessoalmente à Bel e Milena) que me permite esse espaço para compartilhar um pouco do que venho estudando e aprendendo a aplicar na minha própria vida e estimular essas reflexões em outras pessoas. Sou grata também a você, que dedica seu tempo para ler esses conteúdos que crio com muito carinho e dedicação. Isso atende minhas necessidades de propósito, autenticidade, criatividade, colaboração e me faz sentir muito feliz e realizada ou, como gosto de dizer, faz eu sentir o coração quentinho (risos)!
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Debora Andrade
Aprendiz da vida, em constante (des/re)construção, praticante de yoga, meditação e trekking, energizada pela natureza, interessada em temas relacionados ao autoconhecimento, gestão das emoções, relacionamentos interpessoais e integração do ser humano com a natureza. Multiplicadora da Comunicação Não Violenta e mediadora de conflitos com ênfase em mediação familiar. Dedico-me a projetos que envolvam a construção de conexões humanas por meio da CNV, da mediação de conflitos e outras práticas que estimulem a autoconexão.
Qual é a sua ideia de conflito? Você se sente confortável ou desconfortável quando vivencia um conflito?