Estar em movimento: O que faço com a minha solidão?
Quando era criança a brincadeira preferida era inventar coreografias para as suas músicas mais queridas. Com o tempo, tomou gosto pela pintura e foi se descobrindo artista em sua forma de se expressar.
Assim, desenvolveu mais e mais este músculo tão humano e sagrado que é o da imaginação. Sua imaginação era sua companhia mais querida, seu tesouro, seu segredo. Quando estava criando uma coreografia ou ilustrando uma poesia, não se sentia sozinha. Na verdade, ela se esquecia de tudo ao seu redor, entrando em seu mundo interno tão colorido e psicodélico. Não entendia porque o mundo que via era tão diferente do mundo do seu coração. Por isso, quando tinha que pisar na terra firme e lidar com as coisas da matéria, do dia-a-dia, ela se confundia, se perdia. Não conseguia se ver assumindo as rédeas da sua própria vida, pois dependia do olhar do outro para existir nesse mundo exterior.
Logo, desenvolveu uma doença de pele chamada vitiligo. A pele é esse maior órgão do nosso corpo que separa (ou que conecta) o mundo interior com o exterior. A pele dela começou a se despigmentar como se quisesse ficar invisível, desaparecer, fugir de tudo que a deixava triste. Em sua imaginação ela existia, mas sentia uma necessidade desesperada que seus pais a vissem, que seu irmão a visse, que suas amigas e amigos a vissem, que o mundo inteiro a visse, para que pudesse existir segura e potente fora do seu mundo da imaginação.
Quando ela estava do lado de fora da sua pele, o que ela sentia era insegurança e solidão. E, por isso, buscava o tempo todo fazer o que o outro queria. Se ao menos o outro visse a profundeza do seu coração, se sentiria menos desacompanhada diante das tristezas da vida. Buscando agradar o outro para ser vista, tirou a cor da sua própria pele e deixou de trazer para fora o mundo tão belo que havia dentro de si.
E agora?
Antes de tudo, respiro e começo a aprender sobre ser um indivíduo. O outro é essa felicidade de quando compartilho, mas da qual não dependo para existir. O eu, essa solidão tantas vezes difícil e necessária, mas que traz consigo um sentido para a vida ao ser quem se é. Liberdade, enfim, e alegria.
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Paula Neves
Uma cidadã do mundo, amante das artes e eterna buscadora da verdade. Bailarina, desde criança encontrou na dança a espinha dorsal de como se expressa no mundo. A partir daí, em seu caminho já foi atriz, publicou um livro infantil, trabalhou com relações comunitárias em grandes corporações e com inovação social em uma ong de design.