Estar em Movimento: Lembre-se disso amanhã
Convite: escute a sua voz lendo este texto.
Ela acordou sem vontade, com o corpo sendo sugado pela cama em direção a um buraco profundo. Como sair daqui? Como existir?
Teve a coragem de rolar o corpo pesado para o outro lado do colchão e seus olhos ficaram abertos, fixados em lugar nenhum. Lembrou daquela sensação estranha do sonho que tivera.
Sentiu, de repente, uma coceira na sola do pé. Por que será que a gente sente essas coisas no corpo?, perguntou. Dobrou o joelho para alcançar o pé, que pinicava, e percebeu o peso de sua coxa. Desmontou, pega de surpresa pela gravidade, com o rosto no travesseiro. E se coçou, mal respirando, se coçou. Quando a planta do pé coça, acorda o corpo inteiro. Vai do arco do pé, panturrilha, joelho, coxa, quadril (nossa, nunca tinha sentido o quadril como se fosse a dobra maior do esqueleto) à lombar, costelas, ombros, pescoço, cabelo. Curvou o tronco para trás, aproximando a cabeça do cotovelo e, por sua vez, da mão que coçava o formigueiro.
Olhou para o teto quando o ar entrou, recuperando o fôlego. Enxergou-se por dentro ao expirar, pausando o tempo. Mais uma pausa. De uma terceira pausa ela precisou. Inspiração. Percebeu seu corpo convexo desmanchando, respirando, relaxando. Os ossos pesaram na cama e a mão que agora largara o pé deu início a uma contração leve do abdómen, trazendo de volta o corpo para uma posição fetal, côncava. Aqui. Casa. Agora. Refúgio.
Sua mente flutuou para onde se avistam as galáxias. Um bem do estar no peito aprumou sua espinha dorsal completa. Respirou o presente. Cóccix enraizando-a à terra, cervical elevando-a ao céu, simultaneamente. Lembre-se disso amanhã, disse para si, o universo todo existe em ti. É uma imensidão que não sei explicar, mas posso sentir.
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Paula Neves
Uma cidadã do mundo, amante das artes e eterna buscadora da verdade. Bailarina, desde criança encontrou na dança a espinha dorsal de como se expressa no mundo. A partir daí, em seu caminho já foi atriz, publicou um livro infantil, trabalhou com relações comunitárias em grandes corporações e com inovação social em uma ong de design.